THOM PAIN

LUIZ ROBERTO ZANOTTI












THOM PAIN (BASEADO EM NADA) DE WILL ENO:
O EXISTENCIALISMO STAND-UP NO TEXTO E NA ENCENAÇÃO










CURITIBA
2008

LUIZ ROBERTO ZANOTTI








THOM PAIN (BASEADO EM NADA) DE WILL ENO:
O EXISTENCIALISMO STAND-UP NO TEXTO E NA ENCENAÇÃO








Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do Grau de Mestre ao Curso de Mestrado em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade – UNIANDRADE.
Orientadora: Profa. Dra. Anna Stegh Camati

CURITIBA
2008
TERMO DE APROVAÇÃO



LUIZ ROBERTO ZANOTTI





THOM PAIN (BASEADO EM NADA) DE WILL ENO:
O EXISTENCIALISMO STAND-UP NO TEXTO E NA ENCENAÇÃO






Dissertação aprovada como requisito para obtenção do grau de Mestre pelo Curso de Mestrado em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade – UNIANDRADE, pela seguinte banca examinadora:


Profa. Dra. Anna Stegh Camati

Profa. Dra. Célia Maria Arns de Miranda

Profa. Dra. Sigrid Renaux











Curitiba, 18 de junho de 2008.





















Ao meu querido amigo,
Renato Cohen (in memoriam),
amante do teatro como eu.

AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Anna Camati, pela sua orientação competente, paciência carinhosa e estímulos constantes.

À Profa. Dra. Sigrid Renaux, pela sua cuidadosa análise e sugestões oferecidas.

À Profa. Dra. Célia Maria Arns de Miranda por sua meticulosa avaliação e contribuições.

À Profa. Dra. Brunilda Reichmann pelo seu costumeiro incentivo e dedicação ao Programa de Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade.

À Profa. Laís Cecatto por sua presteza e dedicação na revisão desse trabalho.

Ao Guilherme Weber, pela sua maravilhosa receptividade e franqueza.

À toda a minha família: Luiz e Florinda (in memoriam), Rozeane, Jheniffer, Pablo, Thiago, e especialmente à pequena Luiza, pela soma de olhares que fizeram eu me conhecer por inteiro.































De modo mais honesto e mais puro fala o corpo
são, perfeito, quadrado; e fala o sentido da terra.
Assim falou Zaratustra

Dos transmundanos
Friedrich Nietzsche
SUMÁRIO

RESUMO.........................................................................................................vii
ABSTRACT.....................................................................................................viii
INTRODUÇÃO..................................................................................................1
1 DO DRAMA AO PÓS-DRAMÁTICO
1.1 CONTEXTOS HISTÓRICOS E ESTÉTICOS..............................................7
1.2 CONTEXTOS FILOSÓFICOS...................................................................12
1.3 OS PILARES DA PLURALIDADE DE ESTÉTICAS DO TEATRO PÓS-DRAMÁTICO: ARTAUD, BRECHT E BECKETT.............................................16
1.4 TEATRO PÓS-DRAMÁTICO.....................................................................21
2 THOM PAIN, DE WILL ENO: O MATERIAL TEXTUAL
2.1 TRAÇOS ESTILÍSTICOS PÓS-DRAMÁTICOS.........................................27
2.2 INTERTEXTUALIDADE E METALINGUAGENS.......................................35
2.3 A PRODUÇÃO DA PRESENÇA................................................................56
3 A CONCRETIZAÇÃO CÊNICA DE THOM PAIN DE WILL ENO
3.1 SOBRE A ANÁLISE DO ESPETÁCULO...................................................70
3.2 CONCEPÇÃO E PRODUÇÃO...................................................................75
3.3 CONCRETIZAÇÃO CÊNICA E RECEPTIVA.............................................81
3.3.1 Cenário, iluminação e adereços cênicos.................................................81
3.3.2 A performance do ator.............................................................................84
3.3.3 A produção da presença dos objetos......................................................88
3.3.4 Concretização receptiva..........................................................................91
3.4 O TEATRO ENERGÉTICO.......................................................................100
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................107
REFERÊNCIAS...............................................................................................118



RESUMO

Will Eno, um dos mais promissores dramaturgos estadunidenses de sua geração, cujas peças foram produzidas em diversos países, foi apontado pela crítica como o herdeiro da dramaturgia de Edward Albee e Samuel Beckett. Depois da produção brasileira de Temporada de Gripe, levado à cena pela Sutil Companhia de Teatro, Eno cedeu ao grupo os direitos de um novo texto intitulado Thom Pain (baseado em nada), uma peça que foi designada como sendo uma mistura da filosofia existencialista e da comédia stand-up. A proposta desse trabalho centralizou-se na análise da peça Thom Pain (baseado em nada), nos seus aspectos textuais e espetaculares, tomando como pano de fundo, toda uma discussão contemporânea a respeito da pós-modernidade no teatro. A forma “pós-dramática” foi problematizada através da reflexão sobre os contextos históricos, estéticos e filosóficos, o que possibilitou um embasamento teórico mais abrangente. A partir dessa base, buscamos identificar as principais características pós-dramáticas presentes no texto e no espetáculo que integram o corpus da nossa análise. A peça se insere no panorama do teatro pós-dramático da contemporaneidade, não só pelos acertos da encenação, que prioriza a produção de presença e desnuda os artifícios geradores da ilusão dramática, como também pela utilização de novas formulações como a comédia stand-up e o componente do teatro da energia. O ator que realiza o jogo performático conduz o público ao âmago do questionamento existencial ao se despir de todas as máscaras, ilusões e preconceitos. Mostra que os padrões da racionalidade não dão conta para explicar a realidade, e aponta o medo como um elemento desestabilizador do processo vital. Após a ativação de uma multiplicidade de interrogações, o público é tomado de surpresa, quando o monologador, contrariando todas as expectativas, anuncia que a vida merece ser vivida com intensidade. A conclusão do estudo visa mostrar que Will Eno, ao integrar de uma maneira inovadora a filosofia existencialista e a comédia stand-up, cria uma forma adequada para dramatizar as idéias que ele desejou projetar, conseguindo, assim, proporcionar um novo sopro de vida para o teatro contemporâneo.


ABSTRACT

Will Eno, one of the most promising American playwrights of his generation, whose plays have been produced in several countries, has been appointed as the heir of the dramaturgy of Edward Albee and Samuel Beckett by a great number of critics. After the Brazilian production of The Flu Season staged by the Sutil Companhia de Teatro, Eno released to the company the rights of a new text entitled Thom Pain (based on nothing), a play that has been referred to as a mixture of existentialist philosophy and stand-up comedy. This study investigates the textual aspects and the mise en scène of the stage concretization of Thom Pain (based on nothing), taking into account contemporary issues related to postmodern theories. The question of “postdramatic” theatre has been problematized by means of a reflection on the historical, aesthetic and philosophical contexts, providing critical instruments for the analysis. Departing from this theoretical basis, the main postdramatic characteristics of the text and its stage concretization were identified and analyzed. The play can be firmly grounded in the contemporary panorama of postdramatic theatre, not only because of the successful mise en scène, which gives priority to the production of presence and flaunts the artifices that produce dramatic illusion, but also for the use of new strategies such as the stand-up comedy and the energy component in the theatre. The actor who realizes the performance directs the audience to the core of existential questioning when he strips away masks, illusions and all kinds of prejudice. He shows that rational analysis is insufficient to apprehend reality, and appoints fear as a disruptive element in the vital process. After activating a multiplicity of interrogations, the spectators are shaken out of their complacency, when the monologuist, subverting all expectations, announces that life is worthwhile and must be lived with intensity. The conclusion of this study aims to show that Will Eno’s innovative integration of existential philosophy and stand-up comedy results in an adequate form to dramatize the ideas he has wished to project, thus contributing to the process of revitalization of contemporary drama.


INTRODUÇÃO

Will Eno começou a chamar a atenção da crítica teatral a partir da premiação de sua peça Temporada de gripe pelo Oppenheimer Award e por sua indicação como a melhor estréia teatral de um dramaturgo estadunidense contemporâneo em Nova Iorque, no ano de 2004, pelo jornal NY Newsday.
É interessante notar que, apesar de Eno ter iniciado a sua carreira no cenário dramatúrgico nova-iorquino, a maioria de suas peças ─ Tragedy: a tragedy (2001) , Temporada de gripe (2003), Kid Blanco (2004) e Thom Pain (Baseado em nada) (2004) ─ foi primeiramente produzida na Inglaterra por companhias, tais como, “Gate Theatre”, “SOHO Theatre” e “BBC Radio”, todas de Londres, para só então ganhar montagens em Nova Iorque, por grupos como: “Rude Mechanicals Theater Company”, “NY Power Company” e “Naked Angels”. Os textos de Eno também foram produzidos em diversos outros países: França, Alemanha, Austrália, Portugal e Brasil.
Edward Albee apontou Eno como sendo um dos melhores dramaturgos dos últimos anos, descrevendo-o como inventivo, disciplinado e ao mesmo tempo selvagem e provocativo. Para Carol Furtwangler (s/d), assim como para a maioria dos críticos estadunidenses, a obra de Eno é tão controversa como foi o trabalho de Albee no início de sua carreira.
O crítico teatral do New York Times, Charles Isherwood (s/d), considera Eno o “Samuel Beckett” da geração Jon Stewart, um comediante stand-up, ator, escritor e produtor, muito conhecido pela sua sátira política e pelo seu programa “The Daily Show” na televisão americana. Portanto, ao ser comparado tanto com Albee quanto com Beckett por vários críticos, Will Eno ganhou um status privilegiado no cenário dramatúrgico contemporâneo.
O monólogo Thom Pain (Baseado em nada), objeto de nossa pesquisa, estreou no Edinburgh Fringe Festival em 2004 e foi finalista do prêmio Pulitzer na categoria drama no ano de 2005. Construída a partir de uma perspectiva existencialista de Eno, a peça adquire uma especificidade ao ser formatada como uma comédia stand-up. Para o crítico Chris Jones (2007), o monólogo é uma combinação de uma meditação existencialista à la Beckett com uma apresentação stand up presente nos late-night-talk-shows da televisão estadunidense. Na mesma linha, a crítica Christine Dolen destaca na peça ─ descrita como existencialista stand-up ─ claras influências de Albee e Beckett na exploração elíptica da mente humana.
A pesquisa que realizamos busca verificar o existencialismo stand-up em Thom Pain ─ peça que apresenta características do teatro pós-dramático ─ e relacionar o desenvolvimento histórico do drama com o pensamento filosófico da época, sem perder o foco principal, ou seja, o texto e o espetáculo como manifestações artísticas.
O primeiro capítulo, “Do drama ao pós-dramático”, traça um panorama do desenvolvimento histórico e estético, desde os inícios do drama burguês do século XVIII, discorrendo sobre uma forma dramática em que vai predominar a cena teatral até entrar em crise, por volta do século XIX, quando o universalismo do humanismo burguês colide com as dinâmicas do capitalismo (SZONDI, 2004). Nesse novo momento histórico, surge uma série de dramaturgos e correntes dramáticas, que seguem diferentes caminhos frente a essa crise, inaugurando novas formas as quais Peter Szondi (2001) chama de drama moderno.
A seguir, buscamos, conforme o entendimento de Ernst Cassirer (1997) sobre a relação entre a estética teatral e a filosofia, entender a evolução das formas dramáticas conjuntamente com a evolução do pensamento filosófico ocidental. Verificamos a guinada fundamental que se dá a partir do pensamento de Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger e, posteriormente, Jaques Derrida, através de uma crítica externa à razão, dirigida contra a razão (ROUANET, 1987), bem como o desaparecimento da dualidade essência-aparência em favor da aparência (FOGEL, 2003), mudanças essas que vão se refletir numa “nova” estética teatral.
Dentro desse novo cenário filosófico, que aponta para a necessidade de uma nova forma teatral que substitua o drama, aparece uma série de novas propostas dramatúrgicas, entre as quais os trabalhos de Antonin Artaud, Bertold Brecht e Samuel Beckett, mencionados ao longo deste estudo, os quais devem ser considerados os pilares da pluralidade de estéticas do teatro pós-dramático (LEHMANN, 2008).
Fechando esse primeiro capítulo, apresentamos, de acordo com Hans-Thies Lehmann (2008), Jean-Pierre Sarrazac (2002) e Hans Ulrich Gumbrecht (1998), as principais características da estética pós-dramática.
No segundo capítulo “Thom Pain de Will Eno: o material textual”, as especificidades do texto são investigadas a partir da perspectiva de um leitor; porém, muitas vezes, a análise assume uma posição partindo do pressuposto de que o leitor encontra-se na platéia, e dessa forma se assume uma montagem imaginária, pois uma das características da leitura de um texto dramático, como nos ensina Malcolm Kelsall, é: “aprender a ler uma peça é aprender a compreender sua potencialidade no teatro” (citado em MUTRAN, 2008, s/n). Dessa forma, o sujeito dessa leitura muitas vezes age como um espectador de uma montagem “imaginária”, que se diferencia do espectador, que é aquele que teve a experiência concreta da recepção do espetáculo.
Assim, assumindo a análise como o leitor e espectador de uma montagem imaginária procuramos identificar as características pós-dramáticas do texto, bem como o diálogo, não só recorrendo a Albee e Beckett, mas também a outros dramaturgos ou escritores, como Arthur Miller, Franz Kafka e até mesmo William Shakespeare, tendo em conta que essas intertextualidades, que muitas vezes no passado eram vistas como indesejáveis, tornaram-se características constitutivas do pós-dramático (SCHIMIDT, 2005).
Verificamos ainda a produção da presença (GUMBRECHT, 2004), uma característica que talvez seja a mais importante na estética pós-dramática, pois está baseada no novo pensamento filosófico que destituiu a relação essência-aparência. A forma com que Will Eno estrutura o seu texto – um monólogo – não só possibilita, mas traz uma forte indicação para que a encenação seja realizada através da produção da presença, visto que apresenta um discurso que convida o público a ser o seu interlocutor e lança mão de inúmeras didascálias. Estas se encontram no texto sem grande diferenciação das falas (perceptíveis por se apresentarem em caracteres itálicos) e fazem referências às pessoas da platéia, além das pausas e inúmeros outros elementos facilitadores da produção de presença.
A análise do espetáculo é apresentada no terceiro capítulo A concretização cênica de Thom Pain de Will Eno, onde tecemos algumas considerações sobre a dificuldade da elaboração da análise em si, uma vez que ao nos defrontarmos com a encenação já é muito tarde para observar todo o trabalho de produção executado.

É, pois, com a maior humildade, e sobretudo com a mais elementar prudência, que devemos avançar no terreno do espetacular, campo minado pelas mais contraditórias tendências e as suspeitas metodológicas mais insidiosas, terreno baldio que ainda não viu se desenvolver um método satisfatório e universal. (PAVIS, 2005, p. XVII)

Cientes da existência do terreno “baldio” da análise do espetáculo, dividimos a análise de Thom Pain a partir de três perspectivas diferentes, escolhidas dentro de um enorme leque de possibilidades, a saber: (i) a análise do espetáculo como uma seqüência de etapas, que vai do texto-fonte à concretização receptiva (PAVIS, 2008), utilizando como instrumento os questionários apresentados em Análise dos Espetáculos (PAVIS, 2005); (II) a verificação da eficácia da relação dialética produção-recepção do espetáculo, da peça formulada como uma comédia stand-up (LIMON, 2000), a partir da perspectiva do “observador sendo observado”, do espectador sendo por nós observado; (iii) a abordagem da perfomance do ator como produto do teatro da energia (LYOTARD citado em LEHMANN, 2008).
(i) A análise do espetáculo, em suas etapas texto-fonte e concretizações textual, dramatúrgica, cênica e receptiva (PAVIS, 2008), foi elaborada por meio da abordagem da concretização textual sob o aspecto da tradução, problematizando o vocábulo inglês “Whatever”. Para a discussão da concretização dramatúrgica, no que tange à concepção e produção, utilizamos um questionário, elaborado com base nos questionários de Pavis (1999), que foi respondido pelo ator Guilherme Weber, que juntamente com Felipe Hirsch fundou a Sutil Companhia de Teatro − produtora do espetáculo − e é o protagonista de Thom Pain. Nessa entrevista, Weber sugere a concepção da personagem Thom Pain como um indivíduo para quem tudo dá errado.
(ii) A concretização cênica do espetáculo foi verificada juntamente com a etapa da concretização receptiva por parte do espectador/analista, pois, apesar de Pavis dividir essas duas etapas de concretização, existe uma impossibilidade real de separação, uma vez que ambas acontecem “simultaneamente” na perspectiva do espectador. Dessa forma, sempre com base nos questionários de Pavis, avaliamos os elementos cênicos, tais como: cenário, iluminação, adereços cênicos, sonorização, a “produção da presença” do ator e a “produção da presença” dos objetos.
(iii) Avaliação da concretização receptiva em relação aos preceitos da produção, enfocando principalmente a reação da platéia às situações cômicas colocadas, pois: “Uma piada que a platéia apenas sorri ou apresenta uma concordância é uma piada fracassada; uma piada que a platéia ri copiosamente é uma boa piada, quão melhor, quanto maior for o volume de risadas” (LIMON, 2000, p. 12). Assim, a verificação do ritmo do espetáculo e principalmente a resposta efetiva da platéia frente às situações cômicas possibilitaram a análise da eficácia do espetáculo no calor da apresentação.
(iv) Outra perspectiva na análise do espetáculo Thom Pain se encontra no conceito de teatro da energia, proposto por François Lyotard, que consiste na averiguação daquilo que podemos chamar de “Não-Representável”, aquilo que, no evento cênico, nem sempre é facilmente descritível: sinais da atuação ínfimos, quase imperceptíveis e sempre ambíguos (entonação, olhar, gestos mais contidos que manifestos). No sentido de tornar mais legível e identificável esses elementos, utilizamos observações obtidas não só através da nossa recepção como analista, mas também a do espectador e do próprio ator, relatada no questionário por ele respondido, o que possibilitou, seguindo uma abordagem filosófica pós-moderna, efetuar uma análise menos racional do espetáculo.
As dificuldades teóricas que encontramos para inserir Thom Pain no panorama do teatro pós-dramático lançaram uma claridade apolínea ainda maior sobre a afirmação de Pavis (2005, p. XVII) de que a análise do espetáculo se encontra num terreno baldio de possibilidades e que cabe ao pesquisador lançar mão dos mais diversos instrumentos e ferramentas, para atravessar esse “campo minado” de tendências e métodos contraditórios. A partir dessas considerações teórico-críticas, construímos um corpus teórico para a nossa análise.























1 DO DRAMA AO PÓS- DRAMÁTICO

1.1 CONTEXTOS HISTÓRICOS E ESTÉTICOS

A “dramatização” do teatro tem sua origem em países como a Inglaterra e a França e é um fenômeno que pode ser analisado não somente como a assunção política de uma nova classe ─ a burguesia ─, mas principalmente como uma forma teatral soberana da representação de uma nova sociabilidade, a qual valoriza o mundo privado, separado do público, transformando as peças em “documentos de uma intimidade permanente” (SZONDI, 2004, p. 11-13).
No que se refere à teoria poética dramática, sabe-se que esta se aproveita das normas poéticas classicistas em torno da tragédia e da comédia, adaptando-as aos novos ideais dramáticos, com o abandono gradual dos coros, dos apartes, do verso, da descontinuidade das cenas, da relação direta com o público, das convenções e estilizações, em favor de uma intersubjetividade e do presente absoluto da ação. Entre os vários aspectos dessa “dramatização”, dois deles revelam-se fundamentais para o aburguesamento da representação: a privatização da vida das personagens, e a busca de uma sentimentalidade como meio de aproximar platéia e palco.
O caráter de totalidade da peça, a ilusão e a representação, dentro desse panorama estilístico, adquirem grande importância, pois a forma dramática representa um cosmo ficcional que se apresenta fechado em si mesmo, onde a personagem dramática, dentro de uma história contada em diálogos, deve se apresentar como parte de uma realidade. Para Hegel, o modelo fundamental do drama tem em seu centro o conceito de “colisão dramática”:

Nesse sentido, o drama é o conflito entre atitudes representadas por pessoas, no qual a personagem dramática é tomada por um páthos fundamentado objetivamente, isto é, tenta de modo arrebatado e arriscado validar e conquistar posições éticas. (HEGEL citado em LEHMANN, 2007, p. 55)

Em O mercador de Londres, de George Lillo, os personagens burgueses deixam de ser apresentados numa perspectiva cômica e passam a ser tratados com seriedade. Trazem um novo padrão de moralidade em que aparece, sobremaneira, a conduta, chamada pelo sociólogo Max Weber, ascese intramundana. Tal conduta se apresenta através de uma atitude espiritual, em que o primeiro dever do homem é, sobretudo, o princípio do dever profissional, isto é, a idéia de obrigação do indivíduo para com o aumento de seu capital aparece como um fim em si mesmo (WEBER citado em SZONDI, 2004, p. 68).
Dessa forma, os heróis burgueses de Lillo entram em cena não contra a ordem social dominante ─ a aristocracia ─ e sim em defesa da moral apresentada por Weber e da modificação do conflito dramático e do efeito trágico determinado por ela.
O drama burguês traz ainda para o centro do palco a família. Para Szondi (2004, p. 130), o dramaturgo francês Denis Diderot foi quem iniciou a tradição que co-determinou essencialmente a história do drama moderno, como pode ser comprovado nas peças: As três irmãs, de Anton Tchekov, Quem tem medo de Virginia Woolf?, de Edward Albee, A Morte do caixeiro viajante, de Arthur Miller, bem como na peça, objeto de nossa análise, Thom Pain, de Will Eno.
Por volta do século XIX, o drama burguês entra em crise. Szondi (2004, p. 10) sugere um vínculo entre a “impossibilidade do drama” e a crise da ordem liberal, numa época em que o universalismo do humanismo burguês colidiu com as dinâmicas do capitalismo. Sendo assim, os primeiros autores do “novo drama” (drama moderno) passam a perceber a instrumentalização das relações humanas numa sociedade mediada pela forma-mercadoria.
A forma hegemônica do drama – fundada no intercâmbio dialogado das subjetividades, na superação das crises íntimas pela atividade, no elogio da vontade livre e autoconsciente do indivíduo – deixa de fazer sentido frente a uma “coisificação” do sujeito a partir da exploração mercantil do homem e da divisão do trabalho. “Separam-se: do trabalho o prazer, dos meios os fins, do esforço a compensação [...] Assim, pouco a pouco, a vida individual concreta é devorada a fim de poder alimentar a miserável existência da abstrata vida geral” (SCHILLER citado em SZONDI, 2004, p. 10).
O “drama moderno” apresenta-se a partir da assunção e enfrentamento da crise do drama burguês – um gênero que podia ser considerado exaurido em meados do século XIX – devido a sua forma pré-estabelecida e historicamente indiferente, sendo que só o conteúdo é historicamente condicionado. Ao não levar em conta a importância do caráter histórico e a necessária dialética entre forma e conteúdo, o drama não podia assumir os novos temas que se apresentavam.
O diálogo, seu motor exclusivo, acarreta um drama constituído de uma forma fechada e completa em si mesma, em que o palco não tem passagem para a platéia e o espetáculo só adquire visibilidade com as primeiras palavras. O ator e a personagem devem se unir constituindo o homem dramático, pois o drama precisa ser verdadeiro e, por isso, ele se representa a si mesmo, sem citações externas, e sempre no tempo presente (SZONDI, 2001, p. 13-31).
O “fechamento” do drama em si mesmo leva-o a um confronto com a pureza dialógica do seu modelo. O drama mostra sua crise formal através da contradição crescente com os novos conteúdos ─ frutos de novos tempos ─ que busca assumir, com a impossibilidade da utilização do diálogo e com a necessidade crescente da utilização do elemento épico.
Frente a esse novo momento histórico e novos conteúdos, Szondi (2001), em O drama moderno, apresenta uma série de dramaturgos e correntes dramáticas que seguiram diferentes caminhos frente a essa crise. Enquanto alguns buscaram inventar novas formas teatrais que se apresentassem como resultado desses novos conteúdos, outros se concentraram ainda mais na forma dramática, tentando salvá-la de diversas maneiras. São exemplos da primeira corrente: Ibsen e sua técnica analítica; Tchekhov, com sua recusa à ação e ao diálogo; Strindberg e o drama de estação e o drama social de Hauptmann. Na segunda encontramos o drama lírico de Hofmannsthal, o Naturalismo com o pressuposto de um eu-épico, as “peças de conversação” que despedaçam os diálogos em monólogos, ou ainda, talvez, a mais bem sucedida tentativa de salvar a forma dramática, o Existencialismo, com o deslocamento dos homens de seu ambiente “habitual”.
Szondi ainda apresenta exemplos em que, mais do que tentativas de salvamento, algumas correntes buscaram uma “solução” para essa crise, como é o caso do Expressionismo através da “dramaturgia do eu”, da “Revista Política” de Piscator, que visava abranger o conceito de proletariado com a forma absoluta do drama, dando lugar a um recorte, com a ação cênica deixando de fundamentar a totalidade da obra.
Além disso, o autor também fala da importância do teatro de Luigi Pirandello e da crítica que este faz à linguagem através da fala da personagem que representa o pai na peça Seis personagens à procura de um autor. Nela o dramaturgo mostra, de forma clara, a falência da linguagem, a impossibilidade de um entendimento exato da língua, bem como critica a idéia de ser o diálogo uma expressão adequada da existência humana. Pirandello vê no diálogo uma restrição ilícita e perniciosa da vida interior, uma vida que é infinitamente múltipla e mais rica.

O PAI
Mas se é aí que está todo o mal! Nas palavras! Todos temos dentro de nós um mundo de coisas; cada um tem um mundo seu de coisas! E como é que podemos nos entender, senhor diretor, se nas palavras que eu digo eu ponho o sentido e o valor das coisas como elas são dentro de mim; enquanto quem escuta as percebe inevitavelmente com o sentido e o valor que elas têm para ele, do mundo como ele traz dentro de si? Acreditamos entender uns aos outros, mas não nos entendemos jamais! Veja só, a minha piedade, toda a minha piedade por esta mulher (Indicará a Mãe.) foi percebida por ela como a mais feroz das crueldades! (PIRANDELLO, 2004, p. 60)

Assim, com a crise do drama, o teatro começa a trilhar seu próprio caminho através de novos textos que privilegiam a narração e que contêm somente referências distorcidas e rudimentares em relação à realidade. Muitos dos textos são escritos para um teatro ainda a ser inventado, uma vez que este se encontrava numa era de experimentação. Para Lehmann (2008, p. 48-56), a chegada do cinema também vai acelerar a “teatralização” do teatro. Essa “teatralização” passa pela auto-reflexão, pela decomposição de um gênero em seus elementos e abertura para outras esferas, dando origem ao teatro de diretor. Mesmo assim, continua ainda a prevalecer uma forma dramática até o aparecimento de novas formas teatrais que podem ser encontradas no teatro da crueldade de Antonin Artaud (1896-1948), no teatro épico de Bertold Brecht (1898-1956) e no “teatro do absurdo” de Samuel Beckett (1906-1989) como veremos adiante.

1.2 CONTEXTOS FILÓSOFICOS

A evolução das formas dramáticas não pode ser analisada separadamente da evolução do pensamento filosófico ocidental. Assim, um dos modos de se entender o significado da pós-modernidade para o teatro é verificar a relação da dramaturgia com o momento filosófico em que ela se insere. A forte relação entre o teatro e a filosofia é assinalada nos trabalhos dos mais variados filósofos: em O Nascimento da tragédia, de Friedrich Nietzsche, por exemplo, nas considerações críticas sobre Artaud, escritas por Jaques Derrida, e no ensaio sobre o teatro pagão, de François Lyotard, que mostram a necessidade da filosofia de buscar subsídios na dramaturgia para a elaboração de alguns conceitos.
O filósofo Ernst Cassirer, em seu livro A filosofia do Iluminismo (1997, p. 392-444), demonstra o caminho percorrido pela estética do neoclassicismo francês até uma estética kantiana. Cassirer trata a filosofia de uma época como algo que encerra a consciência do seu modo de ser, sendo que ela reflete, de maneira privilegiada, o todo multiforme dessa época, que inclui a arte, a ciência, a religião e a sociedade. A partir da idéia de que o espírito filosófico move o mundo, ele analisa a influência da filosofia cartesiana, cuja visão posiciona a arte como totalmente submetida à razão, sendo o belo tratado como um aspecto objetivo, retirando-se o prazer que uma obra desperta em seus apreciadores.
Cassirer ainda mostra que, com o advento da filosofia do Iluminismo, a razão vai dar lugar à imaginação e fundamentar o belo no sentimento e não mais em uma determinada forma de conhecimento. Dentro dessa nova configuração espiritual, o “gosto” é apresentado como algo que não pode ser determinado por um conceito, pois é indeterminado, não pode ser obtido através de cânones e prescrições. “O gênio não tem de ir à busca da natureza e da verdade, têm-nas em si mesmo [...]” (SCHILLER citado em CASSIRER, 1997, p. 428).
Na evolução da filosofia estética, é importante observar que o drama burguês, ligado umbilicalmente a um comportamento moral regido pela ascese intramundana, acaba por se esvair diante da modernidade e, com a instrumentalização das relações humanas numa sociedade mediada pela forma-mercadoria, entra em crise a partir do surgimento do capitalismo e da “coisificação” do homem.
Na continuidade da “coisificação” do homem depara-se com o panorama atual, que se mostra através da falência de uma unidade primitiva que cedeu lugar à atomização do homem, separado dos outros homens e desmembrado, ele próprio, em três papéis diferentes e às vezes contraditórios: o de cidadão, enquanto membro da sociedade política; o de burguês, enquanto agente econômico; o de particular, enquanto indivíduo e membro de uma família.
Rouanet (1987) afirma que o papel da filosofia moderna, que foi inaugurada por Descartes, foi refletir a modernidade em suas promessas, mas também os seus impasses, e tentar oferecer uma compensação pela dissolução do mundo religioso. Para Hegel e seus seguidores, as contradições da modernidade só podiam ser superadas pelo uso do instrumento da modernidade por excelência — a razão. Assim, a filosofia procurava curar os males desta com os próprios recursos intelectuais da modernidade sem, em nenhum momento, contestar seus valores fundamentais.
A partir de Nietzsche, ocorre uma mudança radical: cessa a crítica imanente da razão, no âmbito da modernidade, e inicia-se uma crítica externa à razão, dirigida contra a razão, e que contesta a própria modernidade. O mundo moderno é visto por Nietzsche como o mundo do niilismo, concebido como o esvaziamento e a esterilização dos valores vitais pela razão e pela moral. Opõe essa modernidade niilista a um passado arcaico, em que as forças dionisíacas, as forças da embriaguez e do êxtase, da energia e da vontade de poder reinavam sem partilha.
A crítica da modernidade e da razão ocidental prossegue com Heidegger. Consciente das aporias a que foi conduzido Nietzsche, em uma crítica da razão tão total que destrói seus próprios fundamentos, Heidegger atribui um estatuto especial à filosofia que busca o Ser em suas origens. A razão que destrói a razão não está destruindo a si mesma, como a razão genealógica de Nietzsche, porque esta é um atributo e uma atividade do Ser: não o homem pensando o Ser, mas o Ser se pensando através do homem, o que Heidegger define como “pastor do Ser” (ROUANET, 1987, p. 238).
Tais rupturas trouxeram sérias modificações na forma de se pensar o sujeito desde o Iluminismo – individual, unificado, governado pela capacidade da razão, com uma espécie de núcleo interior que o fazia idêntico ao longo da existência – sendo este abarcado por “novas identidades” através da sua fragmentação. O homem moderno, que até aqui era visto como um sujeito unificado, com uma ancoragem estável no mundo social, tem a sua identidade em colapso através do deslocamento ou “descentração” do sujeito, acarretando uma perda de um “sentido de si” estável, trazendo conseqüências não só na área da Ciência, mas também nas manifestações artísticas (HALL, 2004, p. 07-46).
Essa fragmentação traz junto consigo a idéia de que a realidade está longe de ser homogênea, e que não é sem razão que o pensamento pós-moderno tenha abandonado as categorias da totalidade e da essência, o que significa que tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada do conhecimento são os dados empíricos; em outras palavras, não existe uma verdade atrás de uma aparência, o que existe é só a aparência.
Gilvan Fogel, num ensaio sobre o perspectivismo de Nietzsche, expõe o conceito de “essência” da seguinte maneira:
Afinal, qual o ser, a essência da mesa, da laranja? [...] Atrás das coisas? Além delas?[...] Bem, se a essência de uma coisa está “atrás” ou “além” dela, então a coisa não é mais coisa! Eu corto a laranja, desfaço-a em gomos e não encontro o seu dentro, o seu mais profundo. (2003, p. 18-19)
O que Fogel questiona é que ao se rachar uma mesa, encontra-se serragem, madeira, pedaço de mesa, tudo que já não é mais mesa, ou seja, encontra-se somente superfície: onde é que está a essência, o miolo, o caroço profundo da mesa? O ser das coisas está na sua aparência, no seu modo de ser possível. No exemplo da laranja, para um botânico, ela é seu nome científico; para o sitiante, sua sobrevivência; para os garotos, pode ser uma bola de futebol ou uma arma, se arremessada. A verdade é que a laranja não é tão tranqüilamente laranja, não é tão uniforme, e sua identificação depende da perspectiva do observador.
Toda essa transformação no pensamento filosófico tornou impossível, como já tivemos oportunidade de analisar, a manutenção de formas dramatúrgicas que estivessem baseadas no sujeito do Iluminismo e na sua conseqüente definição de verdade como uma essência que se encontra sob a aparência. Dessa forma, as mudanças no pensamento filosófico trazidas por Nietzsche e Heidegger vão influenciar uma “nova” estética teatral, em que ocorrerá a fusão do épico, do lírico e do dramático, a emancipação da noção de gênero através da contaminação do drama pela “romancização” e “epicização”, a descrença no princípio de causalidade, a desconstrução da personagem individualizada do Modernismo e a rejeição de aspectos da narrativa dramática tradicional, tais como enredo, personagem, tempo e espaço, categorias que não são mais requisitos para garantir o teatro.

1.3 OS PILARES DA PLURALIDADE DE ESTÉTICAS DO TEATRO PÓS-DRAMÁTICO: ARTAUD, BRECHT E BECKETT

Numa clara crítica a qualquer tipo de forma dramática, Artaud propõe um projeto “não mimético”, contrário à consideração do texto como elemento fundamental de uma peça teatral e livre de qualquer “lógica de reduplicação”, como o ponto de partida para o modelo de uma nova dramaturgia. Brecht inventa novas fórmulas para desmontar o imaginário dominante, através de uma produção que visa sacudir uma recepção anestesiada pelos entorpecentes da cultura e onde uma nova arte do ator não pode ser considerada sem uma nova arte do espectador. Beckett, por sua vez, aparece substituindo o “enredo”, como matriz geradora, por aquilo que foi chamado de “jogo” (LEHMANN, 2007, p. 10-13). Nesse panorama da passagem do teatro dramático para o teatro pós-dramático, o qual passou a ser assim chamado por Hans-Thies Lehmann, é de suma importância verificar a contribuição de cada um dos autores mencionados para o desenvolvimento da “nova” estética.
Artaud, assim como o filósofo Friedrich Nietzsche, apresenta uma crítica feroz à importância que a sociedade ocidental dá aos valores materiais e às superficialidades. Para o dramaturgo, tal apego evitava o encontro com a crueldade, termo que deve ser entendido nesse contexto não como um incentivo à violência ou à agressão, e sim, em seu sentido metafísico e filosófico: a vida é crueldade que envolve sofrimento, dor, obsessão, medo, ansiedade, erotismo, impulsos primitivos, entre outros.
A crueldade apresenta-se aqui como a necessidade de se levar uma ação ao extremo (ARTAUD, 1999, p. 82), de forma que se misture o sonho apolíneo à violência dionisíaca da aniquilação, fazendo com que o público reconheça o teatro como o sonho que permite a libertação pelo terror e por essa crueldade. Esse conceito de aniquilação proposto por Artaud aparece de forma clara em Nietzsche que, ao falar da tragédia grega, lembra que havia “uma propensão intelectual para o duro, o horrendo, o mal, o problemático da existência, devido ao bem estar, a uma transbordante saúde, a uma plenitude de existência” (NIETZSCHE, 2003, p. 14), ou ainda:

A afirmação da vida, também nos seus mais estranhos, mais árduos problemas, a vontade de viver fruindo o sacrifício dos mais altos tipos produzidos pela sua inexauribilidade, isso tudo era para mim dionisíaco, era a ponte de passagem para chegar à psicologia do poeta trágico. Contudo, não para libertar-se dos temores e da piedade, não para purificar-se de uma paixão perigosa como um gesto violento (...) mas sim, por ser ele mesmo, acima do temor e da piedade, a eterna alegria do porvir, aquela alegria que encerra em si também a alegria da destruição. (NIETZSCHE, 2003a, p. 78)

O teatro da crueldade vai levar a um rompimento do conceito de que o texto é um elemento fundamental, passando a tratá-lo como apenas mais um dos elementos cênicos; vai denunciar o diálogo socrático do teatro ocidental, pois, para Artaud, a linguagem concreta deve satisfazer antes de tudo aos sentidos; os pensamentos devem escapar à linguagem articulada. Há a necessidade de uma linguagem física — tal como a música, em contraposição à ditadura exclusiva da palavra socrática — para que as expressões de idéias sejam vivas e claras e não mortas e acabadas como a doença “romântica” de Nietzsche (ZANOTTI, 2005, p. 34).
Este “novo” teatro traz uma metafísica própria da palavra através da dança, da música, dos demais elementos cênicos e restabelece o riso como conciliador com a razão, pois: “[...] (o teatro) perdeu, por outro lado, o sentido do humor verdadeiro e o poder de dissociação física e anárquica do riso. Porque rompeu com o espírito de uma anarquia profunda que está na base de toda poesia” (ARTAUD, 1999, p. 42).
No teatro da crueldade, a necessidade do aniquilamento dionisíaco, da destruição, está intrinsecamente ligada à poesia e à peste, no sentido de uma força transformadora em que a peste surge não em seu aspecto virótico, e sim como uma entidade psíquica. O teatro, assim como a peste, deve ser como um delírio, algo vitorioso e vingativo. A peste, no seu aspecto de aniquilação, deve ser passível de liberar o inconsciente numa revolta virtual que vai além da realidade, transformando-se numa vertigem que reconduzirá o espírito à origem dos seus conflitos.
Enfim, podemos afirmar que esse teatro de inspiração dionisíaca traz as características de um teatro ritual, que busca a comunhão visceral entre ator e espectador, com o ator surgindo como a figura central do jogo teatral num espaço sem divisões e barreiras, quebrando a distância entre espectador e espetáculo, entre ator e espectador, com a eliminação do cenário e objetos de cena. Isso significa, para Artaud, que o teatro deve se livrar do domínio do cotidiano e, através de um sopro metafísico do teatro antigo, assumir atitudes profundas para poder reencontrar a acepção religiosa e mística.
Outro importante precursor do teatro pós-dramático, o dramaturgo alemão Bertold Brecht, revive a forma teatral fazendo com que o espetáculo, em sua totalidade, possa ter um efeito de distanciamento, uma atitude contra a ilusão dramática, utilizando-se de elementos como o prólogo, o prelúdio, a projeção de títulos e as canções. No teatro de Brecht, o ator não precisa se metamorfosear na personagem; ele simplesmente mostra e não vivencia como se fosse a própria personagem. Para Szondi (2001, p. 137), Brecht não busca mais significar o mundo e sim retratá-lo, para que possa ser analisado de uma maneira consciente. O continuum do drama, uma das ferramentas produtoras de ilusão, é quebrado pela interrupção da ação e por comentários, características do que Brecht designou de teatro épico:

Através desses processos de distanciamento, a oposição sujeito-objeto, que está na origem do teatro épico — a auto-alienação do homem, para quem o próprio ser social tornou-se algo objetivo —, recebe em todas as camadas da obra sua precipitação formal e se converte assim no princípio universal de sua forma. A forma dramática baseia-se na relação intersubjetiva; a temática do drama é constituída pelos conflitos que aquela relação permite desenvolver. Aqui, pelo contrário, a relação intersubjetiva como um todo é tematicamente deslocada, como que passando da falta de problematicidade da forma para a problematicidade do conteúdo. E o novo princípio formal consiste na distância reveladora do homem em relação a esse elemento questionável; dessa maneira, a contraposição épica entre sujeito e objeto aparece no teatro épico de Brecht na modalidade do pedagógico e do científico. (SZONDI, 2001, p. 139)
O teatro épico desenvolvido por Brecht propiciou uma forma aderente a uma temática política apresentada num tal nível de complexidade que a forma dramática, com a sua temática da vida entre quatro paredes, não pode oferecer. “É preciso intervir na conversão das formas, pois cada assunto tem uma teatralidade que lhe é própria” (GATTI citado em SARRAZAC, 2002, p. 34).
Assim, se Artaud trouxe o teatro como ritual, no sentido de uma libertação da humanidade, de uma volta aos valores essencialmente “humanos”, e Brecht reconheceu a necessidade de uma nova forma para se fazer teatro ─ um teatro político que confrontasse o drama burguês já decaído ─, Samuel Beckett traz aos palcos, através do teatro do absurdo, a denúncia sobre a solidão humana e a sua impossibilidade de transposição.

[...] o domínio do absurdo, do irracional: um "discurso" que está, porém, a serviço da expressão do absurdo do homem num universo ilógico, sem sentido. É a derrisão sob o aspecto da incoerência dos fundamentos das convicções religiosas, intelectuais e científicas que, tendo dado a sensação de segurança e estabilidade eterna ao homem do passado, já não o eram para o homem moderno, atingido pelo horror do pós-guerra. (BERRETINI, s/d)

No ensaio de Beckett sobre Proust, o dramaturgo oferece a sua opinião sobre as pretensões, metas e limitações do homem, sendo que a única certeza se apresenta como um solitário caminho para a morte, dentro de uma existência vazia e sem sentido.

A tragédia não diz respeito à justiça dos homens. A tragédia é o relato de uma expiação, mas não a expiação insignificante de uma quebra codificada de um acordo local, redigido por patifes para usufruto dos tolos. A figura trágica representa a expiação do pecado original, do pecado original e eterno cometido por ele e por todos seus socci malorum, o pecado de haver nascido. (BECKETT, 2003, p. 70-71)

Tal observação aproxima mais uma vez o teatro da filosofia, pois a fala de Beckett guarda uma estreita semelhança com os dizeres que Nietzsche credita ao sábio Sileno, companheiro de Dionísio, que ao ser argüido pelo rei Midas sobre o que eram as coisas preferíveis para o homem, responde:

Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, o melhor para ti é morrer logo (NIETZSCHE, 2003, p. 36).

Nessa relação íntima entre o teatro e a filosofia, Beckett, no mesmo sentido do pensamento de Schopenhauer, chegou ainda à conclusão de que a vida não é nenhuma bênção e, como vimos, o melhor seria nunca ter nascido; e é preciso estar atento, pois os períodos estáveis da humanidade, dotados de grandes manifestações artísticas e culturais, geralmente são seguidos por uma era de barbarismo, durante a qual as artes e os avanços de conhecimento são danificados ou destruídos.
Além das influências citadas, é impossível deixar de apontar traços do pensamento de Sören Kierkegaard a respeito da solidão humana elaborado como um novo e terrível despertar para a raiz irracional da realidade, de uma sensibilidade que reconhece a impenetrabilidade do mundo pela razão. Assim como Beckett, o filósofo dinamarquês experimenta a irracionalidade do real e sofre na carne o drama do homem que olha em torno de si e se sente só. Como bem observa Albert Camus (MACIEL, 1959, p. 13), faz mais que descobrir o absurdo: vive-o.

1.4 TEATRO PÓS-DRAMÁTICO

A crise do drama desembocou no que Hans-Thies Lehmann chama de teatro pós-dramático, um teatro que é resultado de todo um processo de transformação da cena devido à dinâmica da forma teatral, a qual se conecta de tal forma com a realidade, tornando impossível a manutenção de velhas formas para enunciar novos conteúdos.
O princípio do desmantelamento do contexto tem a ver com a transformação da experiência cotidiana, que parece ser impossível de ser transposta no teatro da placidez. Otto Julius Bierbaum (citado em LEHMANN, 2008, p. 101) diz que “o homem urbano atual tem [...] os nervos do espetáculo de variedades, ele raramente ainda é capaz de acompanhar grandes contextos dramáticos, de afinar a sua sensibilidade com o tom de três horas de teatro; ele quer variedade”, o que significa dizer que uma percepção da cidade grande, cada vez mais impaciente, requer uma aceleração que será reencontrada no teatro e que acaba por esfacelar o ritmo exigido pela forma dramática.
Apesar de não existir um claro divisor de águas ou um acontecimento importante que demonstre “como” e “quando” se deu essa mudança paradigmática, pode-se afirmar que a passagem da estética dramática para uma estética pós-dramática faz parte de um processo contínuo, com elementos que já se encontravam latentes nos trabalhos de Artaud, Brecht e Beckett, devido, exatamente, à necessidade de novas formas que abarcassem os novos conteúdos trazidos pelo contexto da pós-modernidade.
Nesse caminho rumo ao pós-drama, um passo adiante às obras desses autores, que chamamos de “pilares do teatro pós-dramático”, vai ser dado pelos movimentos de vanguarda, tais como: o teatro documentário, que ao encenar para a audiência aponta para o seu caráter ritual; as peças faladas de Handke — em que o teatro cita seu próprio discurso — com esvaziamento das figuras de linguagem; o simbolismo, com seu caráter estático e tendência ao monólogo; a poesia cênica; e o dadaísmo (LEHMANN, 2008, p. 90-91).
Dessa forma, é importante salientar que o teatro do absurdo de Beckett, assim como o teatro de Brecht, faz parte da genealogia do teatro pós-dramático; com alguns de seus textos ultrapassando a fronteira da lógica dramática e narrativa, como é o caso de Breath (BECKETT, s/d), onde ele utiliza toda uma “estética pós-dramática” baseada em elementos como: a economia e a densidade de signos, a repetição e a duração, a mudez e o silêncio, a superabundância e o vazio, a luz fraca e a luz forte, o grito e o silêncio. No entanto, apesar desses elementos, para Lehmann, de certa forma ela ainda pertence à tradição teatral dramática:

O passo para o teatro pós-dramático só é dado quando os recursos teatrais se encontram para além da linguagem, com o mesmo peso do texto e podendo ser sistematicamente pensados também sem ele. Por isso, não se pode falar de uma “continuidade” do teatro do absurdo e do teatro épico, já que tanto o teatro do absurdo quanto o épico, por vias diferentes, se atêm ao primado da representação de um cosmos textual fictício, ao passo que o teatro pós-dramático não mais o faz. (2008, p. 88-89)

O movimento expressionista também elaborou temas teatrais que vieram a ser explorados na ruptura do teatro pós-dramático. Sua ligação com o cabaré, suas representações oníricas e inovações de linguagem, como o estilo telegráfico e a sintaxe fragmentada, subvertem a perspectiva unitária baseada na lógica da ação humana; o som deve transmitir mais efeitos do que comunicação. O expressionismo, ao formular uma dramaturgia que pretende ir além dos conflitos pessoais, privilegia as formas de monólogo e coro, bem como seqüências mais líricas, com cenas e imagens à maneira dos sonhos, num reconhecimento de um direito próprio como realidade das estruturas do inconsciente e da fantasia (LEHMANN, 2008, p. 106-107).
O surrealismo também se contrapõe à estrutura dramática ao explorar os sonhos, os fantasmas e o inconsciente, em um teatro que trabalha com imagens mágicas e gestos políticos, que mistura a platéia e os atores e suspende a distinção entre a ficção do drama e a realidade da performance; um teatro em que as cenas não são para ser entendidas racionalmente, e sim para inflamar a produtividade das pessoas no espaço magnético entre o palco e os espectadores (LEHMANN, 2008, p. 108-109).
Essas “novas” formas teatrais já não aspiram à totalidade de uma composição estética feita de palavra, sentido, que se oferece à percepção como uma construção integral; ao contrário, assumem o seu caráter de fragmento e de parcialidade. Abdicam do critério da unidade e da síntese e se dispõem a confiar em estímulos isolados. Descobrem a presença do performer a partir da mutação do ator e estabelecem a paisagem teatral multiforme para além das formas centralizadas do drama.
Nessa perspectiva, acontece ainda um desmantelamento do contexto, o privilégio da falta de sentido e da ação no aqui e agora, o sacrifício do nexo causal a favor da lógica do sonho, o deslocamento da obra para o acontecimento. Também, o público passa a ser um fator ativo desse acontecimento, há uma alusão à realidade de uma vida que é comum ao intérprete e ao público, aceleração do teatro, abandono do aspecto temporal e dinâmico da arte teatral, renúncia a uma época orientada teleologicamente, emancipação da oração em relação à frase, do fonético em relação ao semântico, do som em relação ao sentido, com a realidade dando lugar a um jogo das palavras, sem aparecer a forma do drama, às vezes, nem mesmo uma história e seus protagonistas.
Esses elementos impossibilitam de vez a forma dramática que carrega consigo a necessidade fundamental do espetáculo auto-contido. As novas correntes, ao aproximar o teatro da vida cotidiana, destroem toda a coerência, estabelecendo-se a preferência por um teatro de variedades, feito em pequenas partes, ocasionando o afastamento do continuum dramático da cena teatral — uma característica marcante do teatro pós-dramático:

[...] A ordem cronológica é desvalorizada em beneficio de uma ordem lógica, e passa-se assim de um sistema que imita a natureza para um sistema do pensamento. [...]; trata-se na verdade, de uma inversão do processo de escrita: ao contrário do encadeamento dramático que marcava um avanço da ação e um desenvolvimento das personagens, o quadro registra um processo, e, através de um movimento recorrente, chega às causas a partir dos efeitos. [...] O drama moderno, esse, já não postula esta conformidade armadilhada com a natureza. Bem pelo contrário define-se como uma anti-Phisys e como um lugar de montagem, já não envergonhada, mas soberana. (SARRAZAC, 2002, p. 71-72)

O teatro pós-dramático se desenvolve, na diminuição do continuum dramático, através de um trabalho de “espaçar” o texto dramático, transformando-o naquilo que Sarrazac (2002, p. 74) chama de “arquitetura do vazio”: desconstrução dos quadros dramáticos, que adquirem também a forma de seqüências, fragmentos, movimentos em que o presente, o passado e o futuro são misturados num movimento browniano, em que as réplicas já não se ajustam umas as outras, apresentando contextos, lugares e épocas diferentes, acabando numa coleção heteróclita de palavras e de gestos.
Nesse panorama, pode-se afirmar que o teatro pós-dramático, assim como aconteceu na pós-modernidade, com a forma da Filosofia de pensar o sujeito, houve uma profunda ruptura no modo de pensar e fazer teatro:

Algo que já estava anunciado pelas vanguardas modernistas do começo do século XX – a valorização da autonomia da cena e a recusa de qualquer tipo de “textocentrismo” – se desenvolve mais radicalmente a ponto de assumir um sentido modelar como contraponto da arte ao processo de totalização da indústria cultural. Desse modo, a tendência “pós-dramática” seria uma novidade histórica não apenas por razões formais, mas também pela negação estética dos padrões de percepção dominantes na sociedade midiática. (LEHMANN, 2007, p. 7)

O teatro pós-dramático, em sua necessidade de trabalhar com a falência da linguagem, da totalidade, da ilusão e da representação, trabalha com modelos perspectivistas, com a fenomenologia, eliminando o conceito de essência para tornar tudo aparência, prestando a devida atenção à multiplicidade e à diferença. O novo modelo floresce com todo um potencial de desintegrar, desmantelar e desconstruir o drama em si, proporcionando ao teatro o direito do disparate, do fragmentado, da presença ao invés da totalidade e da ilusão.
Assim, no plano teatral, a pós-modernidade pode ser caracterizada principalmente pelo abandono da dialética como a principal característica “dramática”, pela substituição de um tempo linear e cartesiano, pelo fluxo da consciência, pelo aparecimento das experiências teatrais em que não há separação entre palco e platéia, prevalecendo a “presença” ao invés da representação.
A nova forma teatral traz entre suas características: a narrativa descentrada e não-linear, os quadros independentes que tomaram o lugar dos atos, a enunciação verbalizada pelas diversas vozes narrativas, a metadiscursividade, a impossibilidade de “ler” a personagem, a queda da barreira entre a realidade e a imaginação, a racionalidade substituída pelo fluxo da consciência de uma mente desestabilizada, a transposição do espaço do palco, o diálogo entre o “eu” e o “outro” (seu duplo), a não-utilização de rubricas, a não- especificação das personagens e do cenário e as múltiplas concretizações cênicas, enfim, toda uma revolução filosófico-estética. Os novos textos teatrais são não são mais escritos como uma metáfora da vida humana, e sim como um meio de induzir a platéia a olhar para si mesma como um sujeito que percebe, que adquire conhecimento e que participa da criação dos objetos do conhecimento.
Os espectadores passam a ser ativos co-escritores do texto da performance. Não é o conteúdo político que faz esse teatro ser político, e sim o conteúdo implícito do modo de sua representação. Dessa forma, não é produzido um efeito político primário, mas sim uma interrupção poética (afformance art) que a arte produz na lei e na política. O palimpsesto, a inter e intratextualidade são elementos presentes nos textos pós-dramáticos (LEHMANN, 2006, p. 4-8).
O teatro pós-dramático pode também ser visto sob a perspectiva de um teatro pós-brechtiano, situado em um espaço aberto pelas questões brechtianas sobre a presença e o processo de representação através de uma nova maneira de assistir, entretanto deixando para trás a política, os dogmas e a ênfase ao racional. Esse teatro pode ser caracterizado muito mais pelo modo de percepção simultânea e multi-focal que desloca a percepção linear-sucessiva: “uma percepção ao mesmo tempo mais superficial e mais abrangente tomou o lugar da percepção centrada, cujo paradigma era a leitura do texto literário” (LEHMANN, 2008, p. 17).
Os novos paradigmas filosóficos e os novos modos de vida na contemporaneidade, por meio de um modo profundamente diferente de usar os signos teatrais, justificam que se descreva um setor considerável do novo teatro como pós-dramático.
Enfim, podemos dizer, conforme Lehmann (2008, p. 365), que a pós-modernidade deve ser vista não como uma cesura histórica, mas simplesmente como um olhar modificado sobre a realidade, o qual estabelece uma nova relação com ela.

2 THOM PAIN, DE WILL ENO: O MATERIAL TEXTUAL

2.1 TRAÇOS ESTILÍSTICOS PÓS-DRAMÁTICOS

O texto Thom Pain (baseado no nada) de 2005, do dramaturgo estadunidense Will Eno, possui várias características do teatro pós-dramático conforme termo cunhado por Hans-Thies Lehmann, em seu importante estudo Teatro pós-dramático, de 2007.
A temática da peça remete a um homem devastado por uma infância negligenciada e marcado por um relacionamento amoroso mal resolvido. A narrativa do protagonista Thom Pain busca apresentar a própria vida em seus desapontamentos e perdas, na agonia eterna da condição humana, misturando o prosaico com o metafísico. Mostra também o que a vida tem de cômico, dramático e sádico, através da ansiedade, alienação e medo da personagem, sem, no entanto, dissociar-se da realidade.
A construção do texto se distancia dos padrões clássicos pelos seguintes aspectos: prioridade do monólogo ao invés do diálogo, uso da platéia como interlocutor, convite de voluntários para participar do jogo teatral, apresentação de uma personagem fragmentada, busca da desconstrução da narrativa dramática, abolição das fronteiras entre o “dentro” e o “fora” do palco e apresentação de elementos para a produção da “presença” que, como veremos, é uma das mais importantes características pós-dramáticas.
Eno elabora o tema de uma forma contemporânea, abandonando a forma teatral do drama no que diz respeito as suas características básicas como a dialética, a limitação espacial e temporal. Explora novas formas que se apresentam como um imenso abismo entre o teatro atual e suas raízes aristotélicas e hegelianas.
Considerando que as formas canônicas do passado se exauriram e se descolaram dos assuntos contemporâneos e que o drama convencional não se adapta a uma temática atual, em que, muitas vezes, o inconsciente, a fantasia, a política, a filosofia e a metafísica se encontram além das paixões e infidelidades, o dramaturgo estadunidense se livra dessa incomoda herança, desconstruindo o diálogo dramático e lançando mão de novas estéticas, para conseguir para o seu tema uma teatralidade que lhe é própria. “Escrever no presente não é contentar-se em registrar as mudanças da nossa sociedade, é intervir na conversão da formas” (SARRAZAC, 2002, p. 34).
A desconstrução do diálogo dramático – um projeto mais ou menos comum por parte dos autores contemporâneos – em Thom Pain apresenta-se, por exemplo, na figura da “pausa”, que é utilizada diversas vezes no texto. A pausa, assim como a interrupção, que muitas vezes funciona como o próprio interlocutor, pode ainda ocasionar um estranhamento na platéia, uma vez que a frase anterior proferida pela personagem não encontra uma réplica, mas somente um espaço vazio, determinando a impossibilidade do diálogo e, portanto, da linguagem como fonte de qualquer e todo conhecimento.
O resultado é a quebra da unidade temporal num jogo em que prevalece a densidade de signos para mais ou para menos, numa dialética de pletora e privação, de cheio e vazio, onde o silêncio, a lentidão, a repetição e duração em que nada acontece, a pouca ação e as grandes pausas dão o ritmo da apresentação. O teatro pós-dramático trabalha ainda com a economia de signos por meio da repetição e duração, da redução minimalista, do teatro da mudez e do silêncio, dos palcos enormes deixados vazios, fazendo com que o espectador encontre algo produtivo com a pouca matéria oferecida. Ao refletir sobre essa escassez de material, o pintor Pablo Picasso preconizava: “Se você pode pintar um quadro com três cores, pinte com duas” (PICASSO citado em LEHMANN, 2008, p. 148).
Outro elemento importante do teatro pós-dramático utilizado por Eno é a metalinguagem. Logo no início do texto, Thom avisa que a história que ele vai contar tem passagens obscuras, duras e problemáticas e que é uma história narrada de forma fragmentada a respeito de um pequeno menino que está escrevendo com uma varinha numa poça formada pela chuva de uma tempestade que já passou (TP , p. 4). Essa forma entrecortada e às vezes sem sentido aparente, que é outra característica determinante do texto, relaciona-se de uma maneira direta com a técnica psicanalítica que Sigmund Freud chamava de livre associação. Tal técnica consiste em deixar o paciente relatar tudo o que lhe vem à mente, num relato que acaba por possibilitar o surgimento de sentimentos e memórias reprimidas. A livre associação é considerada uma das formas mais eficazes de se penetrar na repressão inconsciente.
O leitor é convidado, sutilmente, a sentar-se na cadeira do psicanalista, sendo que a livre associação faz com que ele vá tomando conhecimento da situação que é narrada de uma forma aleatória. A varinha com que o menino escrevia na poça d’água, mais adiante é associada à imagem de um arco de violino, que remete a uma orquestra de violinos numa trama não-linear, sendo o sentido construído, de forma lenta e entrecortada, pelas reminiscências de Thom, em que as imagens do passado se misturam às do momento presente, configurando-se uma ponte para a sua problemática infância, que acaba por se desvelar a partir do labirinto da memória.
O texto, assim como na dramaturgia de Ibsen, faz incursões ao subconsciente e inconsciente, possibilitando o regresso de fenômenos reprimidos e traumas, mostrando que o homem não pode escapar de si mesmo e que se encontra preso na armadilha de sua própria mente. Eno utiliza a estética da livre associação para falar do menino que está escrevendo nas poças, mas desvia-se de forma abrupta para um diálogo com a platéia, para quem pede que imaginem os olhos do menino e simpatizem com suas roupinhas, que lhe coloquem algum problema no quadril para que ele fique em pé meio engraçado e finaliza: “Agora vão se foder” (TP, p. 4).
Essa intervenção faz com que o encadeamento da fábula desapareça. O que se evidencia é muito mais a exposição do sujeito ao invés de sua intencionalidade, seu livre arbítrio; muito mais o desejo que a vontade consciente, muito mais do “sujeito do inconsciente” do que do eu.

Assim, em vez de sentir falta de uma imagem previamente definida do ser humano nos textos organizados de modo pós-dramático, seria o caso de perguntar quais novas possibilidades de pensamento e representação são aqui projetadas para o sujeito humano individual. (LEHMANN, 2008, p. 20)

Nesse contexto, a idéia central de uma época não serve mais como paradigma, pois o pluralismo de fenômenos impôs o caráter imprevisível da descoberta e trouxe consigo o perspectivismo. Eno trabalha com a coexistência de concepções teatrais divergentes, tais como o drama, o épico e, por que não dizer, o lírico.
Outro importante aspecto é a “quebra da ilusão”. Thom Pain “fala” com o leitor de uma forma direta, buscando pontos de identificação com ele, como alguém que quer deixar claro que é igual a todo mundo, ao afirmar que ele quando menino era: “[...] um pouco tímido, meio idiota, envergonhado, amedrontado, como nós, como vocês (TP, p. 4)”. O texto de Eno foi escrito não como uma metáfora da vida humana, ele não busca a sua afirmação moral e sim se coloca como um meio de induzir a platéia a olhar para si mesma como um sujeito que percebe, adquire conhecimento e participa da criação dos objetos do conhecimento.
O texto pós-dramático parece convidar o leitor para imaginar uma experiência que, no texto analisado, significa uma profunda reflexão existencial sobre o que é viver na contemporaneidade. Essa característica, no entanto, assim como a grande maioria dos elementos pós-dramáticos analisados, não pode ser vista como uma grande mudança, uma quebra, uma vez que já se encontrava no teatro grego antigo. O público saía de casa para ver algo novo que os fizesse refletir e não para rever o que já sabiam (SÓFOCLES, 2004, p. 07).
A divisória imaginária entre a representação (palco) e a platéia, comumente chamada de “quarta parede”, desaparece no texto de Thom Pain devido ao incentivo para que o ator tenha um contato direto com o público. Vários momentos da peça ajudam a obter essa dissolução, tais como a didascália, que aponta para um homem na platéia, sentado na segunda fila, que vai embora (TP, p. 5). A personagem, sempre se dirigindo ao leitor (no caso da encenação, se dirigindo ao público), diz que aquele homem é igual a ele: não consegue ver a vida pela frente. Thom acredita que as pessoas sempre o percebem como “alguém que já saiu”:

Um homem na platéia, sentado na segunda fila, vai embora.
Tchau.
O homem se foi.
Au revoir, seu babaca. Desculpem a linguagem. (TP, p. 5)

No relato final da peça, Thom chama alguém da platéia para subir ao palco, mostrando que ele, como ator em cena, sabe da real existência de um público, e o público, ao ser chamado ao palco, não pode ilusoriamente tomar a personagem, sendo obrigada a reconhecer o Thom como sendo de carne e osso, muito mais que uma personagem, uma pessoa:

Agora, eu vou precisar, não de um voluntário, mas, de um sujeito, da platéia. Não levantem os braços gritando “Eu, Eu,”, ainda que, com certeza, eu entendo a sua razão. Eu vou escolher alguém. Nós sabemos quem você é. Seria bom se a pessoa estivesse usando roupas claras. Se ele ou ela falasse um segundo idioma e gostasse de um pouco de violência, seria ótimo. Bom, vejamos. (TP, p. 14)

A quebra da quarta parede, como a reflexão no antigo teatro grego, também não pode ser considerada uma novidade pós-dramática. Brecht, por exemplo, já insistia nesse procedimento como forma de evitar a ilusão e trazer a platéia para uma atitude crítica, o que significa dizer que as características pós-dramáticas, mais do que se apresentarem como um leque de novidades teatrais, apresentam-se sob a forma de novas configurações e combinações e, sobretudo, como uma nova forma de se buscar a participação do público no espetáculo. “A arte teatral sempre exigiu de seus espectadores uma atitude renovada” (LEHMANN, 2008, p. 155).
Dessa forma, o teatro pós-dramático, além de promover uma total revolução nos elementos da dramaturgia, utiliza alguns deles dentro de um novo paradigma em que o elemento central é o fato de que a representação cênica não é mais compreendida como parte de uma realidade distinta, na qual imperam leis próprias que destaca a realidade “encenada” em relação ao “real”. Foi quebrada a barreira que separava a representação da presença, a imitação da performance, as realidades representadas do processo de representação em si, a aparência da essência, e assim por diante.

Somente o teatro pós-dramático explicitou o campo do real como permanentemente “co-atuante”, tomando-o de modo factual, e não apenas conceitual, como objeto não só da reflexão – como no romantismo –, mas de modo especialmente elucidativo por meio de uma estratégia e de uma estética da indecibilidade em relação aos recursos básicos do teatro. (LEHMANN, 2008, p. 164)

A indecidibilidade se realidade ou ficção faz com que não haja um limite seguro entre o estético e o não-estético, uma vez que o teatro é simultaneamente processo material e estético. A suspensão do limite claro entre a realidade e o acontecimento força o espectador a decidir per si sua situação na experiência teatral. O ato de assistir deixa de ser algo “não-problemático do ponto de vista social e moral”, pois se algo imoral se impõe como real em relação a uma situação encenada no palco, isso se espelha na platéia, desestabilizando a segurança e a certeza que o espectador vivencia (LEHMANN, 2008, p. 169).
Quando o homem da segunda fila vai embora, a platéia de Thom Pain não tem condições de avaliar se era uma simples representação ou um ato não-estético. Dessa forma, a estética não é determinada somente pelo conteúdo e só pode ser atingida atravessando-se a fronteira entre o “real” e a construção do representado, num vai e vem entre a percepção da realidade e do espetáculo.
A irrupção do real também pode ser analisada pelo conceito da “produção da presença” desenvolvido por Hans Ulrich Gumbrecht (2004), que procura analisar a corporidade e a aparência, ao invés de se ater a signos lingüísticos e significados determinados. A estrutura do monólogo de Eno, ao expor a existência em sua precisão e verdade, abre a possibilidade para que toda a encenação seja feita utilizando-se a produção da presença.

O teatro, hoje, está desnudado, consiste no jogo da apresentação da existência em sua precisão e verdade. [...] exige que esta apresentação encontre a sua fonte e sua origem íntima no confronto entre existência e poesia. O teatro é o jogo deste existir que oferece ao olhar o lançar de um poema. (GUÉNOUN, 2004, p. 147)

Em seu aspecto de produção da presença, o teatro faz isto: lança-nos o poema, bem à frente dos nossos olhos, não apenas como uma coleção de signos e significados, e sim como uma existência, pois a exposição teatral é a aventura de uma existência brincada, jogada, entregue ao olhar sob a batuta do poema que chama a platéia para compartilhar essa experiência comum.
Eno, assim como Albee, busca elementos para essa experiência existencial no teatro do absurdo, criando um determinado non sense a partir de dados culturais previamente estabelecidos. Esse non sense pode ser notado quando, logo após o homem da segunda fileira ter partido, Thom faz uma espécie de aparte e pede para a platéia imaginar um elefante rosa; um pedido que vem sem nenhuma conexão com a seqüência anterior e que também vai estar apartado do sentido do texto que segue, parecendo ter como único motivo a necessidade de trazer a platéia de volta para a realidade da performance.
Os apartes e quebras de seqüência demonstram que o teatro de Eno não tem como objetivo a totalidade de uma composição estética feita de palavra, sentido e imagens, que se oferecem à percepção como construção integral. Esse teatro assume o seu caráter fragmentário, de parcialidade e de diversidade de sentidos ao abdicar do critério de unidade e de síntese, dispondo-se a confiar em estímulos isolados que oferecem uma nova forma de visão para apreender a peça, através de uma reflexão que é única para cada leitor.
Eno tem como propósito um teatro que vá além da submissão a hierarquias: da obrigação de perfeição e da exigência de coerência. Visa a um teatro detentor de uma nova linguagem teatral que percebe a realidade como constituída de sistemas instáveis e não de circuitos fechados. Considera também que, na impossibilidade de construir um sistema total, produza estruturas parciais, sacrificando a síntese a favor de momentos intensos e cheios de energia, negando ao espectador uma orientação única e possibilitando a ele a criação de sua própria estrutura. Assim, o abandono da totalidade aparece como uma função libertadora que recusa a fúria do entendimento na busca de uma única e impossível essência.


2.2 INTERTEXTUALIDADE E METALINGUAGENS

A tese da morte do autor proposta por Roland Barthes argumenta que a obra não é uma confissão; traz a linguagem para o centro da cena com o autor cedendo lugar à escritura, deixando para o leitor a produção de uma unidade textual (BARTHES citado em COMPAGNON, 1999, p. 50-51). O leitor é, segundo Barthes, a entidade capaz de perceber toda a duplicidade e multiplicidade textual. O autor, como o único detentor do sentido final e autorizado do texto, é descartado, destacando-se o papel do leitor dentro das inter-relações que constituem parte relevante do contexto discursivo (BARTHES citado em MIRANDA, 2004, p. 39).
Essa inversão na direção da captação do sentido de uma obra produziu um grande impacto não só na literatura pós-moderna, mas também na área teatral, pois, uma vez que as suas características envolvem diversos vínculos entre o texto escrito e o texto encenado de qualquer espetáculo – com um envolvimento de uma série de colaboradores –, essa “morte” é ainda mais indiscutível.
Em termos de significação, o texto teatral pós-dramático é concebido como uma série de sentidos que mudam, contradizem e respondem um ao outro. O texto teatral, conforme Patrice Pavis argumenta, pode ser definido como um “assunto significante esperando o sentido”. Se o texto e a textualidade tiveram, ultimamente, decisivas mudanças que trouxeram um novo conceito de textualidade pós-moderna, isso também é verdade para o teatro pós-dramático (PAVIS citado em SCHIMIDT, 2005, p. 53).
A descrença na comunicação através da linguagem ou da fala redimensionou a relação entre o teatro e o texto, com este perdendo a sua posição de elemento dominante na constituição do drama. Deste modo, no teatro pós-dramático as posições do leitor e do escritor co-habitam um novo sistema textual. Barthes e Pavis concordam com a idéia de um texto como um “campo” de forças, uma noção que expressa a orientação espacial no drama pós-moderno e se transforma numa metáfora central para o conceito estendido de textualidade na escrita dramatúrgica pós-moderna (SCHIMIDT, s/d., p. 54).
A textualidade pós-dramática permite influências externas que são inseridas através das relações intertextuais e metalingüísticas, essas influências – apesar de já terem sido plenamente usadas por autores como Shakespeare – tornam-se uma das características constitutivas do drama pós-moderno. Tal característica pode ser observada, conforme Kerstin Schmidt (2005, p. 54), quando um performer revela a sua própria personalidade – que se justapõe à personalidade de sua respectiva personagem – numa modelagem diferente da fórmula dramática. Nesse quadro, a intertextualidade ganha força como uma das principais características desse novo teatro:

Percebe-se, entretanto, que uma atitude crítica é o que define a atitude intertextual: a prática literária de retomar, repetir, contestar e/ou transformar obras anteriores, torna-se uma reflexão implícita e, certamente, explícita sobre a própria literatura. O significado de uma obra é estabelecido através de sua relação com os outros textos ou com a tradição literária existente, o que evidencia uma outra propriedade da literatura que é o seu caráter da auto-reflexividade. (MIRANDA, 2004, p. 38)

A estrutura intertextual possibilita a assimilação e a transformação de textos, pois as obras literárias jamais são simples "memórias"; elas reescrevem o que lembram e "influenciam seus precursores". Umberto Eco, ao escrever sobre seu romance O Nome da Rosa, afirma: "Descobri o que os escritores sempre souberam (e nos disseram muitas e muitas vezes): os livros sempre falam sobre outros livros, e toda estória conta uma estória que já foi contada" (ECO citado em MIRANDA, 2004, p. 38).
O caráter auto-reflexivo da intertextualidade, com o texto sendo produzido a partir de várias escrituras que dialogam entre si e muitas vezes se contradizem, acrescenta novas camadas de entendimento ao texto produzido. Jorge Luiz Borges, em Pierre Ménard, Autor do Quixote (2003), imagina um poeta francês que se propõe escrever o Quixote ─ não com o intuito de parafraseá-lo ou comentá-lo, mas sim de escrevê-lo de forma absolutamente igual ao original.
Segundo Borges, o projeto foi concluído com êxito, e confronta a versão de Ménard com o trecho correspondente e absolutamente igual da versão original de Cervantes e chega à conclusão de que a versão do poeta francês é quase infinitamente mais rica que o texto original. Ora, os dois textos são absolutamente idênticos, e se acontece do segundo texto ser mais rico, é por ser a mímesis rigorosa do primeiro, o que permite pressupor-se que, dentro de um novo paradigma receptivo, apresentará a possibilidade de um grau maior de reflexão, entendimento e intencionalidade.
Os críticos que não reconhecem uma estilística pós-dramática argumentam que todos os elementos dessa “nova forma” já se encontravam presentes, de uma forma ou de outra, nas estéticas anteriores. No entanto, com a evolução do conhecimento e, por conseguinte, da recepção da obra, uma nova visão espacial se apresenta, trazendo a figura do texto “espacializado”, em camadas, e, portanto, passível de novas interpretações, característica evidente do pós-drama. A nova forma de ver as velhas formas evolui, assim como Miranda nos ensina:

Não restam dúvidas de que esses procedimentos artísticos exigem um grau de especialização por parte do leitor, ou seja, que ele apresente um repertório cultural e literário sedimentado que lhe dê subsídios para o reconhecimento e compreensão dos fenômenos em si e a posterior ativação de significados. (2004, p. 29)

A concepção do texto se modifica, e a linguagem parece procurar um fim nela própria. O discurso no teatro pós-moderno não é mais exclusividade de texto, escrito e associado a uma personagem única; o diálogo transforma-se numa polifonia (SCHIMIDT, 2005, p. 56). A decomposição ou subversão do diálogo traz a redefinição da função do ator, que deixa de ser um mero agente controlado pelo diretor ou dramaturgo. O discurso se torna desconectado, vindo de várias origens, transformando-se no que Elfriede Jelinek chamou de “Sprachflächen” (planos da fala).
Conforme Gitta Honegger (2002), a prática discursiva baseada nas “Sprachflächen” é a forma como Jelinek substituiu o diálogo convencional por planos da fala em sua abordagem intertextual, apropriando-se de materiais existentes, fragmentos da literatura, textos políticos e filosóficos, bem como comerciais, colunas de tablóides e outras fontes populares.
O resultado textual dessas colagens ofusca o sentido ideológico, com o passado invadindo o tempo atual. A apropriação de “assuntos mortos” presentes em textos anteriores culmina num novo texto que expõe muito mais um mecanismo histórico que a interação humana. As personagens falam entre si com uma linguagem discursiva que se afasta do diálogo, com o propósito da provocação, ao invés de trazer informações psicológicas. O efeito geral da performance é uma animação, mais do que qualquer quase-imitação aristotélica da vida real.
A intertextualidade aparece no texto de Thom Pain desde o título e o subtítulo, com o nome Thom Pain remetendo a uma das mais importantes personagens da história dos Estados Unidos, o filósofo racionalista e baluarte da independência estadunidense, Thomas Paine, enquanto o subtítulo “Baseado em nada” ironiza o excesso de utilização dos recursos da intertextualidade e da meta-linguagem no texto.
A ligação da personagem Thom Pain com a figura histórica Thomas Paine traz, logo no princípio, uma primeira crítica à racionalidade exacerbada que ocorreu durante a Modernidade e que, como vimos, deu ensejo a todo um novo pensamento nietzschiano que se encontra no paradoxo: critica o uso excessivo da razão, mas serve-se da própria razão para a crítica. Assim, em contraposição ao pensamento racionalista de Paine (2005, p. 25), para quem “um antigo hábito de não pensar que uma coisa esteja errada dá-lhe uma aparência de estar certa”, Thom se desconstrói definindo a si mesmo como uma pessoa qualquer, um “Tanto Faz” (TP, p. 5).
A personagem Thom Pain é construída em total desacordo à visão de mundo de Thomas Paine. Numa entrevista prestada por Eno (2005) à revista American Theatre, em setembro de 2005, ele responde à pergunta, cujo conteúdo questionava o que aconteceria num encontro fictício entre a sua personagem e Thomas Paine, construindo um pequeno diálogo entre eles.
Para Eno, a resposta de Thom para o discurso patriótico de Tomas Paine – que geralmente falava que nos tempos de crise, os soldados que não temessem defender os Estados Unidos mereceriam o amor e o agradecimento de todos –, seria algo como: “Verdadeiro. Bem verdadeiro. Posso perguntar se esse universo em que você se encontra é ficcional ou alternativo? Ele me parece diferente do universo real. A resposta irônica de Thom traz uma crítica à predestinação de Paine, como alguém que realmente acreditava nos princípios humanísticos.
A caráter existencial do texto aparece logo no início da peça através das alusões ao destino, à moral e à morte. Thom é desvelado por um repentino flash de luz: “E, no entanto, algumas coisas realmente não cabem a nós decidir. O formato do nosso rosto, digamos, ou se nós somos perdoados ou a nossa altura. Onde morrer e quando.” (TP, p. 3)
A presença da morte, assim como na dramaturgia beckettiana, apresenta-se na base de um pensamento que não consegue identificar na vida um sentido próprio. Para Beckett (CALDER, 2001, p. 13), não se pode afirmar que tivemos sorte pelo fato de termos sido escolhidos para a vida, ou seja, o fato de que aquele espermatozóide, em meio a bilhões, fecundou um óvulo e nos gerou não nos afasta de um enorme desastre da vida. O motivo é que, mesmo se alguém nasceu numa afortunada circunstância e viveu num período de paz e civilização próspera, ainda assim vai se ver face a face com a idéia de que um dia a morte lhe trará o fim; nada é certo na vida, ninguém sabe como e quando vai morrer.
O assunto “morte”, tema privilegiado desde a tragédia grega, continua sendo uma constante no teatro pós-dramático, como pode ser verificada na temática de peças como 4:48 Psicose, em que a dramaturga britânica Sarah Kane retrata o colapso das relações entre o indivíduo e o mundo, que acaba por levar a protagonista ao suicídio, ou Wit, da dramaturga estadunidense Margaret Edison, em que a autora ─ através da história de uma paciente terminal de câncer – busca desnudar o mito americano do sucesso por meio de uma crítica à Medicina.
A intertextualidade em Thom Pain, uma dominante no texto, novamente pode ser verificada no episódio em que Thom rabisca umas poças de lama com uma varinha, imaginada como um arco de violino: “Os violinos estão pegando fogo. Sintam o mundo inspirar. Imaginem a prontidão, a quietude, a virtuosidade. Entre esses, a criança. Imaginem cinza soprando por um céu recém-azul” (TP, p. 4).
O violino, como sabemos, é fabricado de madeira que, ao queimar, traz como significação a efemeridade da vida: a madeira queimada simboliza a sabedoria e a morte (CIRLOT, 1969, p. 303), ou ainda, o final do ciclo da vida: “Quando Meleager nasceu, os Fates (Destino) predisseram que ele ia viver tanto quanto um pedaço de madeira queimando” (de VRIES, 1974, p. 507).
Esse sentido existencial da madeira queimando é encontrado em A morte do caixeiro viajante, de Arthur Miller, no momento em que o protagonista Willy, ao sentir a sua vida se acabando, diz: “Eu não estou interessado em histórias do passado nem em nenhuma besteira desse tipo, porque a casa está pegando fogo . E nós estamos bem no meio do incêndio. Eu fui despedido hoje” (MILLER, 1976, p.153).
Eno, assim como boa parte da geração de escritores americanos contemporâneos, aproxima-se da dramaturgia de Miller e de sua profunda frustração moral proveniente da filosofia existencialista absorvida dos textos de Sartre e Camus. Miller procura mostrar que não somos donos da nossa própria existência, que a vida não é governada pela razão e que muitas vezes a racionalidade falha. A peça Thom Pain se aproxima de A morte do caixeiro viajante ─ um texto que traz uma profunda crítica ao “mito americano do sucesso”─ demonstrando que não adianta querermos significar os nossos atos e medi-los frente a um mito produzido por uma sociedade capitalista que trabalha no plano imaginário, com a idéia de um país pronto para ser explorado e conquistado, um país sem uma hierarquia social rígida, onde o homem pode vencer a partir do fruto do seu trabalho.
Ao falar a respeito desse mito, Miller (MILLER citado em CAMATI, 2006) diz que: “a solução para um estado subjetivo de “estar infeliz” é uma “ida às compras”, que Eno re-significa:

O cachorro morto da vida que nós batemos, mais desvairadamente, mais duramente, quanto mais morto ele está. Por outro lado, tem umas lojas bacanas na região. Eu comprei um castiçal e uma cadeira, hoje. Eu perdi o castiçal em algum lugar (TP, p. 7).

O “mito americano do sucesso” tem forte influência das histórias do escritor americano Horatio Alger (s/d). Esses romances explicam a maneira de se ganhar muito dinheiro e respeito através do trabalho árduo e da determinação, um conceito próximo ao da ascese intramundana de Weber. Essa “ideologia” que de certa forma privilegia o trabalho à família, acaba negligenciando o relacionamento familiar, levando à falta de atenção e carinho para com os filhos:

Ser adotado, fez com que eu me sentisse como algo transitório, como se fosse um visitante numa terra estranha (...) Naturalmente, eu era uma criatura solitária (...). Eu sempre estive ciente disso, e eu não me deixo sentir só. Eu sei que sou eu que estou vivendo minha vida, e que eu tenho que dar algum sentido a ela. [...] Quanto mais velho você se torna, mais sozinho você fica. (ALBEE apud GUSSOW, 2001, p.14)

A forte influência que Albee exerce na obra de Eno é evidenciada na personagem Thom ao relatar a sua infância: fala da personalidade de um menino formada na escuridão, sem pai, nem mãe, da falta de amor paterno, do incrível sentimento de se sentir um “estrangeiro”, um “forasteiro” dentro do próprio lar:

Foi assim com o menino: enquanto ele crescia, mudava, longe das pessoas, no banheiro, na chuva, no final de corredores em lugares familiares, cotidianos. Eu arriscaria dizer… não, não arriscaria. Mas eu sei que eles nunca o afagaram. Nunca bagunçaram o seu cabelo e disseram: Bom Garoto. Ele vem e vai, intocado, sua infância se esgotando, enquanto ele se transforma em um forasteiro, um imigrante ao lugar em que ele nasceu (TP, p. 9).

O relato sobre a sua infância prossegue na forma de uma livre associação freudiana, empurrando o leitor para a posição de um pseudo-analista que, a partir de uma psicanálise baseada no senso comum, não tem dificuldades em diagnosticar um claro caso de depressão. A depressão, antes do que uma doença amplificada pelas transformações trazidas pela Modernidade, onde está inserida a “perda de si”, é, sem dúvida, uma afecção humana: quando qualquer vínculo parece desfazer-se e nenhum horizonte de fala o substitui, ela pode aparecer. Assim, a depressão não pode ser considerada uma doença, a não ser que afirmemos, ao modo de Nietzsche, que ela é uma “doença humana” (FEDIDA, 2002, p. 179).

Quando a sua infância acabou? O quão dolorosamente vocês se machucaram, quando se machucaram, quando vocês eram desse tamanhinho, quando vocês eram essa pequenina coisinha machucável, nada além de enormes olhos azuis, um coração, algumas centenas de palavras? Não é maravilhoso como nós nunca nos recuperamos? Machucados e ferimentos, senhoras e senhores. Desprezo e abuso, ah, que paraíso. Viver com medo. Ajustando a ferida à nossa necessidade. Estou falando sério. Que vida feliz. Que jogo bom. Quem que pode suportar o máximo, o máximo de vida, e ainda sorrir, ainda arreganhar os dentes para a noite que chega e dizer mais, mais, bis, bis, seus putos, seus fados, suas Parcas, eu quero é mais da maldita, maldita mesma coisa. (Breve pausa. Precipitadamente.) Ou, não sei, que que eu sei? (TP, p. 5)

Todo esse processo de perda, depressão e talvez de melancolia completa-se com o menino Thom não reconhecendo o próprio nome: “As pessoas me perguntam sobre o nome. ‘Thom Pain’. Eu não respondo. Ou eu digo, ‘Está na família há um tempo’. Ou eu digo, ‘Childe Harold’, sem razão nenhuma. Então um de nós sai andando” (TP, p. 6). A necessidade de esconder o nome tanto pode ser analisada como mais um sintoma da depressão através de um “recalque” ou ainda como uma maneira irônica de evitar a sua identificação com o herói patriota Thomas Paine. Nessa passagem, Eno traz mais uma relação intertextual ao fazer com que Thom aproxime a sua solidão e crise existencial da personagem de Lord Byron, Childe Harold, um menino rebelde que, desiludido com a vida de prazer e irreverência em sua terra, vai buscar nas viagens de aventuras em terras estranhas uma forma para se livrar da sua melancolia e desilusão:

Pior que a adversidade que Childe sentiu;
Ele sentiu-se cheio de saciedade:
Detestado em sua terra natal,
Que parecia para ele mais uma triste cela de um eremita. (LORD BYRON, s/d)

É interessante observar que essa crise existencial na infância da mesma forma está presente na vida pessoal de Edward Albee que, ao falar a respeito da própria infância para o seu biógrafo, confidenciou que a música “Knoxville: Summer 1915”, baseada no livro de James Agee, Morte em família, tinha grande significado emocional para ele. Essa novela autobiográfica traz em seu prefácio uma eloqüente elegia da infância do autor, o qual lembra com prazer o pai e a mãe, mas que, apesar disso, faz a si próprio a mesma pergunta de Albee quando menino: “Quem sou eu?” (GUSSOW, 2001, p. 14).
A pergunta existencial presente na idílica infância de Agee reflete-se nas tristes memórias da infância de Albee; é um sentimento de querer saber a respeito de si. A pergunta recebe em Thom Pain uma resposta intertextual de caráter niilista ─ sou um “Tanto Faz”─, uma resposta que parece carregar todo o sentido colocado nos ombros do homem “pós-moderno”, um “Tanto Faz”. Uma definição que, apesar de não dizer muito sobre uma determinada pessoa, para Thom, pode amedrontá-las:

Casualmente.
Eu estou tipo tanto faz.
Categoricamente. Como se uma grave confissão.
Eu realmente estou tipo tanto faz.
Voz normal.
Isso assusta vocês? Estar cara a cara com a mente moderna? Deveria. Não há nenhuma razão para vocês não terem medo. Nenhuma. Ou, não sei. Devo salvar suas vidas? Devo amar vocês lentamente e ser sincero? Devo lhes acariciar o rosto, suavemente, quase nada, e trazer um copo de água fria na noite úmida insone? Tanto faz. (TP, p.4)

No entanto, se a influência de Albee pode ser notada quando Eno trata da solidão causada pela problemática familiar, a influência de Beckett o arremessa para o absurdo metafísico, para um encontro frente a frente com a solidão própria do homem. Thom, no momento em que fala dessa solidão, da dor, e da tentativa de dar algum sentido à vida, guarda uma semelhança com o pensamento beckettiano que, como já foi comentado, conceituava a vida humana como um total acidente, sem nenhuma meta ou objetivo racional:

Eu estou bem aqui do lado de vocês, ou escondido atrás de vocês, como vocês, sofrendo essa dor terrível, tentando fazer algum sentido da minha vida. Eu só estou brincando. Vocês provavelmente estão sozinhos. Ou, não sei. Onde nós estamos exatamente, eu me pergunto, na sua opinião, na minha.
A terra é sempre uma resposta.
Nós estamos no planeta Terra, um planeta em um sistema solar, um de um trilhão de sistemas solares na nossa galáxia, que é uma de um bilhão de galáxias no Universo. E você se acha especial. Matemática. Tem um montão de zeros por aí. O que que um homem pode fazer?
Nada, na verdade. Ou, não sei. (TP, p. 8)

A dor existencial apresentada pela personagem com a impossibilidade de dar algum sentido à vida devido à pequenez do homem, da sua insignificância frente a um universo infinito aproxima Eno do teatro do absurdo de Beckett. Mas, na continuidade do texto, quando afirma: “A terra é sempre uma resposta” (TP, p. 8) acaba por trazer uma mensagem de esperança, pois tal afirmação pode ser traduzida de certa forma como uma possibilidade de ainda se acreditar na “vida”, de se encontrar uma possibilidade de saída redentora para essa crise metafísica, para a pequenez do homem, o que é totalmente contrário ao pensamento de Beckett, para quem, o homem coerentemente absurdo já não procura mais, não acredita na redenção, pois conhece a verdade simples de que os homens morrem e não são felizes e, por isso, é arrastado a uma fúria incontrolada de um esgotamento quantitativo de suas possibilidades; esse homem ouve um “não” dos céus a seu pedido de socorro e o crê definitivo.
Entretanto, repentinamente, toda essa discussão existencial é interrompida na fala de Thom, toda a reflexão filosófica é abandonada pela mudança abrupta de seu discurso: “Eu ando tomando suplementos vitamínicos. A – não, é – A. B. D. Zinco. Na verdade, zinco é um mineral. Você não está nem aí. C. E. Eu disse B? Eu não estou nem aí?” (TP, p. 8). Essa mudança de rumo no relato de Thom, totalmente apartado da situação em que se encontrava o texto, é um elemento que Eno utiliza diversas vezes para quebrar a seqüência dramática e se constitui de um bom exemplo de elemento pós-dramático.
A quebra do ritmo, a quase simultaneidade de assuntos distintos, mostra em Thom Pain a dramaturgia de passagens, dos limiares, em que as eventualidades da nossa vida, reais ou imaginárias, são expostas num simultâneo, contradizendo o trabalho linear do nosso destino. Nela, ainda, o presente, o passado e o futuro são misturados num movimento browniano, em que as réplicas já não se ajustam umas as outras (contextos, lugares, épocas diferentes), acabando numa coleção heteróclita de palavras e de gestos. (SARRAZAC, 2002, p. 65).
Nesse movimento entrecortado, Eno trabalha, muitas vezes, com elementos fora do contexto; cria saídas que não são racionalmente possíveis, afastando-se e aproximando-se do teatro de Beckett e sua necessidade de discutir a existência do homem:

Não, eu também não sei. Nenhum problema. Ou – para empregar a frase popular que utilizamos hoje em dia para expressar nossa descerebrada e afetada tolerância de tudo, o colapso da distinção, nossa alquebrada alma nacional – “tanto faz”. (TP, p.4)

Aqui, a definição do homem como um “Tanto faz” parece, de certo modo, estar especialmente ligada a uma perda ou falta de significação, que pode ser relacionada tanto com a angústia de Sartre quanto com o conceito de angústia de Martin Heidegger ─ disposição fundamental para o entendimento do homem enquanto ser existente, como veremos adiante.
A angústia, para Sartre, está ligada ao desejo do homem de querer ser o próprio Deus. Ao ver frustrada essa aspiração, acaba por se definir pelo fracasso, que por sua vez remete à angústia. Por sermos livres – visto que não podemos confiar em um Deus ou na sociedade para justificar nossa ação ou para nos dizer o que e quem nós somos ─ estamos obrigados a enfrentar a agonia de nossa tomada de decisão e a angústia de suas conseqüências, o que para Sartre significa então que a angústia é a consciência da própria liberdade.

A angústia é a consciência dessa liberdade de escolha, a consciência da imprevisibilidade última do próprio comportamento. [...] Uma pessoa à beira de um penhasco perigoso tem medo de cair, e sente angústia ao pensar que nada o impede de se jogar lá embaixo, de se lançar no abismo. O pensamento mais angustioso de todos é quando, num dado momento, nós não sabemos como nós iremos nos comportar no momento seguinte (MACIEL, 1975, p. 42).

O conceito de angústia, que adquire a forma do “Nada” em Heidegger, diferentemente de Sartre, aparece como a disposição fundamental para investigar o ser-ai (Dasein), ou seja, o homem em sua existência cotidiana, junto com os outros homens, em seus afazeres e preocupações: “O ser do ente só é inteligível – e nisso reside a mais profunda transcendência – se o ser-ai no fundo da sua existência mantém-se (hineinhalt) no Nada” (HEIDEGGER citado em NUNES, 1992, p. 116).
Dessa forma, o caráter da angústia no “Tanto faz” de Thom, numa primeira aproximação, apresenta-se com o sentido de angústia próxima ao nada, como a única forma de podermos conhecer a nossa própria existência: “Quanto à nossa história, se vocês estão um pouco perdidos que seja, vocês não estão sozinhos. Não pensem que eu estou em algum lugar lá na frente, em algum lugar em qualquer lugar, com um plano” (TP, p.8). Essa aproximação não é suficiente para cobrir os diversos aspectos de sua angústia, pois, numa das falas finais, Thom acaba por reconhecer a possibilidade de o homem ser livre para decidir: “Tente ser valente. Tente ser uma outra pessoa. Uma pessoa melhor” (TP, p. 17).
A peça de Will Eno, em sua riqueza temática, não se atém a uma análise psicanalítica de uma criança “desejosa”, ou à discussão da existência humana, pois mistura elementos psíquicos e filosóficos com os problemas cotidianos da vida de um casal:

Nós passávamos bastante bem, lutando para ter o que vestir e pagar o aluguel, tentando fazer o melhor possível, apesar de todo o tipo de desordem de sono, alimentação e social. Dinheiro era uma questão, eu me lembro, um problema. Nós tínhamos sapatos e dentes ruins. Na nossa pobreza e privação, nós tivemos algumas boas risadas – duas, talvez três. (TP, p. 8)
A narrativa ainda apresenta uma estrutura baseada numa metalinguagem “livre-associativa”, numa repetição desenfreada de signos que procuram levar ao público inúmeros significados e percepções:

Bom, a criança. Não, a mulher. Deixe eu me prolongar sobre a minha mulher um pouco mais. Ela ainda tinha suas amídalas, seu apêndice, seus dentes sisos, todos os extras supérfluos. Isso, mais os furos, os furos no seu corpo, na sua infância, as coisas perdidas, os pontos cegos. Ao todo, com os positivos e negativos, uma mulher bem completa. [...] Ela tinha tudo. Ela tinha pulgas, que eu acho que eu passei para ela, e, sinais e marcas de nascença, que ela conseguiu por conta própria. Um saudável toma lá, dá cá.

A superabundância de signos nessa passagem mostra a recusa da construção normatizada da imagem no teatro pós-dramático, o qual se realiza através de fragmentos. O conceito de rizoma designa realidades nas quais ramificações intangíveis e conjunções heterogêneas impedem a síntese, diversifica indiretamente os dados da percepção. “Uma grande quantidade de elementos sem ligação é considerada pela psicologia da percepção como maior que a mesma quantidade em um ordenamento coerente” (LEHMANN, 2008, p. 149).
A “linguagem superabundante” de Thom, como se estivesse no divã de um psicanalista, tem grande importância na construção dos acontecimentos, que são sempre descritos dentro de um processo de livre associação:

Bem, a vida para o pequeno garoto, agora um pequeno homem, acelerou e acelerou. Ele foi instruído, sem qualquer efeito, e saiu de casa, falando apenas “Eu estou indo para um outro lugar agora.” Sua mãe chorou, devido a um mal não relacionado. Seu pai, que ainda está vivo, que Deus guarde sua alma, acenou adeus. E assim, nosso jovem rapaz, rumo à cidade. Ele conseguiu empregos. Vocês podem tê-lo visto, alguma coisa perto o bastante. [...] Ele está apanhando lixo, comendo em entradas de edifícios, olhos baixos, uma expressão inexpressiva. Ele lembra muito você, ou, é você, ou ele não é e não se lembra de você. Veja a antiga criança. Odiada pela vida, mais ou menos do meu tamanho, perdendo peso, trabalhando para um salário de merda, nenhum bem próprio além de um dicionário. (TP, P. 14)

Uma nova análise “psicanalítica” poderia ser feita pelo leitor/psicanalista apresentando Thom numa crise melancólica, com claros sinais da dificuldade em se adaptar a uma sociedade onde o objetivo maior é a obtenção de sucesso, uma vez que Thom não tem objetivos claros, perdeu alguma coisa na infância que não pode ser recuperada:

Então. Algumas temporadas mais tarde, imagine-o sentado em nenhum lugar exatamente, um belo dia em termos de clima, lendo seu dicionário como se fosse um romance, lendo adiante para ver se a história dá uma animada, Lembrem-se, o homem é o menino, de antes. Ele não está realmente equipado para esta vida, não tem a roupagem adequada, não tem pele suficiente. (TP, p.15)

Nas últimas duas passagens, é interessante notar a semelhança com o texto América (2000a) de Franz Kafka, em que o autor conta a história de um adolescente chamado Rossman − nascido numa terra estranha, aparentemente num mundo sem lógica ou justiça – que está sempre sujeito às resoluções dos adultos e, principalmente, às do pai intransigente, que abusa da autoridade e da indiferença. Esse sujeito é um solitário que sofre com a desarmonia da realidade, de seu absurdo. Esse “filho do espanto kafkiano” está ainda presente na personagem Joseph K. em O processo (2000), um indivíduo acusado pela justiça, mas que não sabe sequer qual é a grave acusação que pesa sobre ele, vivendo um clima em que tudo é obscuro, ilógico e opressivo, como um pesadelo.
A escrita de Eno, apesar das diferenças estilísticas em relação a Kafka, também abrange temas da alienação e perseguição; suas personagens se aproximam das personagens kafkianas que sofrem conflitos existenciais, como o homem de hoje, com essa experiência existencial sendo vivamente provocada pela própria condição humana, numa descrição realista no nível do cotidiano.
No mundo kafkiano, assim como Thom Pain, as personagens são vitimas do caos existencial, não sabem que rumo tomar, não possuem objetivos claros para as suas vidas. Ao olhar o mundo de uma forma desencorajada, questionam seriamente as próprias existências e acabam sós, pois todos os acontecimentos acabam se virando contra eles e, muitas vezes, não possuem força para procurar novas alternativas. A temática da solidão como fuga, a paranóia e os delírios de influência em Thom Pain estão muito ligados à obra kafkiana. “A ética de Kafka é uma ética da submissão que exige a conduta passiva de suas personagens. É no patético que Kafka atinge a cor mais intensa” (MACIEL, 1959, p. 41-50).
Entretanto, a temática de Thom Pain ainda não se resume apenas à discussão da existência do homem ou dos problemas da relação amorosa entre um homem e uma mulher. Eno, ao construir o nome do protagonista Thom Pain, mais do que uma simples alegoria a respeito de Thomas Paine, levou para o palco, a discussão sobre a dor (pain) e o seu significado, o que mais uma vez o aproxima da literatura de Beckett, em que a dor sempre está presente: na preocupação do narrador com a dor que uma lagosta pode estar sentindo ao ser cozida viva, em Dante e a Lagosta; em De um trabalho abandonado, cujo narrador sempre reclama da dor que sente; ou, ainda, em Esperando Godot, no sofrimento de Estragon quando machuca o pé ao dar um pontapé em Lucky (LEVY, 2001, s/p).
A descoberta de que uma dor (pain) existia, não somente em seu nome, mas também em seu interior, aparece no relato poético de uma manhã quando o menino Thom foi atacado por abelhas, ao chutar inadvertidamente uma colméia caída no chão do bosque. No entanto ele, ao invés de achar que estava sendo atacado pelas abelhas, pensou que estas estavam aliviando a dor que existia dentro dele, que era uma espécie de punição.

Então. As abelhas. Milhares voaram nos seus olhos e boca, picando toda a magra superfície. O menino não fez, a princípio, nenhum som. O coitado não entendeu. Ele pensou, lá fora no campo, que ele tinha feito algo errado. Ele pensou que a dor já estava em seu corpo e que só estava vindo para fora naquele instante para puni-lo, que as abelhas só apareceram depois e estavam tentando ajudar. Seu corpo estava explodindo em chagas dolorosas, que as abelhas estavam tentando aliviar, acalmar. (TP, p.10)

Talvez, porém, a maior referência à dor e a Beckett se apresente na passagem em que Thom pede para alguém da platéia partilhar as suas grandes esperanças, para que se coloque à vontade para sentir qualquer coisa:

Câncer, por exemplo, ou depressão. Intriga política, Ansiedade, Insegurança, Falhas no seu conhecimento, Manchas no seu pulmão, Esquecimento total. Mais? Crise financeira, Espaço sideral, Paz espiritual, Vergonha, Luxúria, Guerra, Eu, Ódio, Você, Ódio, Palavras, Amor, Nada, Mais, Enxaqueca, Você, Deus. As coisas que vocês podem estar sentido. A lista continua. Aí a lista acaba. (TP, p. 6)

A proximidade desse relato com a fala do narrador na peça Primeiro amor, de Beckett é surpreendente:

Falarei das dores do entendimento, as do coração ou afetivas, as da alma (muito simpáticas, as da alma), e depois as do corpo, primeiro as internas ou ocultas, depois as da superfície, começando pelos cabelos e descendo metodicamente e sem pressa até os pés, abrigo dos calos, cãibras, joanetes, unhas encravadas, frieiras, pés-de-atleta e outras esquisitices. E àqueles que forem gentis o bastante para me escutar contarei na mesma ocasião, de acordo com um sistema cujo autor não me recordo, os instantes em que, sem estar drogado, nem bêbado, nem em êxtase, não se sente nada. (BECKETT, 2004, s/n)

A intertextualidade do texto de Eno em relação aos de Beckett que, como já mencionamos, renderam ao escritor de Thom Pain elogiosos comentários acerca do aparecimento de um “novo Beckett”, pode ser verificada na passagem a seguir:

“É”, ele diz, com brevidade usual, mas surpreendente coerência. Qualquer um podia ver. E lá se foram eles. Para os lava - rápidos, capelas e banheiros, lugares de que vocês ouviram falar, estiveram vocês próprios. As escadarias de museus. De mãos em mãos em mãos. Ela escreveria cartas para ele, uma das quais ele guardaria. Amor, ponto, ponto final, provavelmente. A não ser que vocês estejam muito felizes ou tenham uma boa imaginação, vocês não podem imaginar o quanto eles estavam felizes. (TP, p. 15)

A construção do par de namorados de mãos dadas, “De mãos em mãos em mãos”, guarda uma importante relação com a cena final da peça Vaivém de Beckett, onde no final de um encontro entre três velhas amigas, elas cruzam as suas mãos, numa situação que pode ter uma série de significados, tais como: o reconhecimento do envelhecimento delas, a assunção por parte das personagens de que não há retorno, que a intimidade que elas possuíam está irremediavelmente perdida, ou ainda como um gesto ritual de manutenção dos segredos.
As mãos dadas podem ainda significar o símbolo de infinito (eternidade), pois quando dadas em círculo formam a imagem de um anel, interpretado por Heidegger (2002, p. 88) como o símbolo do conceito do “eterno retorno”, proposto por Nietzsche em Assim falou Zaratustra. Para Heidegger, o “círculo” é o sinal do anel, cuja curvatura volta sobre si mesmo e desse modo alcança sempre o eterno retorno do igual. Através desse círculo, Thom apresenta a vontade de que o seu relacionamento amoroso não acabe, isto é, quer que seja infinito.
O “sempre retorno do mesmo” é uma tônica em Thom Pain, que está continuamente às voltas com a história dele quando menino, com a sua mágoa com a família, com o seu relacionamento amoroso fracassado. Thom apresenta o seu amor, na maioria das vezes, numa crítica à linguagem:

Nós ouvimos muito a palavra amor, jogamos ela por todo lado. Menos e menos, talvez, mas ainda muito. A palavra amor. Nós queremos dizer um montão de coisas. (Breve pausa.) Eu não sei. É que na verdade… no gelo desta… como que alguém… ou nós provavelmente estávamos… cacete. (Breve pausa.) Ele não conseguia seguir a história até o fim. Ele não amou demais, nem muito bem, mas com suor demais, merda e medo, com excesso de palavras longas, excesso de vírgulas. (Breve pausa.) (TP, p. 15)
Nessa passagem, Thom confidencia que não amou demais e nem muito bem a sua companheira, num claro contraste em referência à afirmação de Otelo: “[...] deveis falar de um homem que não amou com sensatez, mas que amou excessivamente; [...]” (SHAKESPEARE, 1978, p. 441). Assim, Thom ao se lamentar de não ter conseguido, assim como Otelo, amar excessivamente a sua amada, apresenta o excesso de racionalismo da contemporaneidade que privilegia o excesso de palavras e vírgulas ao excesso de amor.

Amor. Eu tive sorte nele uma vez. Escrevi um bilhete dizendo, “Cordiais agradecimentos, estou indo embora agora, chave debaixo do capacho.” Eu tinha minhas razões, nenhuma delas boa. Eu queria ir embora, antes que ela me deixasse. Ela queria assim, ou viria a querer, muito em breve. Talvez. Eu nunca entendi as coisas. Eu era muito confuso. Eu fiz tudo por medo. De que eu tinha tanto medo? Eu tinha promessas. Eu não tenho mais nada agora. (TP. P. 17)
No entanto, se a linguagem parece trazer um excesso de racionalidade na relação amorosa de Thom, o medo se apresenta em seu aspecto inconsciente e pode ser analisado, numa perspectiva freudiana, como uma oposição entre o princípio da realidade e a libido investida num objeto de uma forma tão intensa que acarreta um desvio da realidade por intermédio de uma psicose alucinatória. Ou seja, a realidade de uma infância sem afeto frente a uma incrível necessidade de ser amado ocasiona o sentimento de estar sempre sendo rejeitado, ou que será rejeitado num futuro próximo, fazendo com que o sujeito (Thom) acabe por antecipar uma dor, com medo de sofrer ainda mais no futuro. Essa tentativa de desvio de libido do objeto amado sempre representa uma grande penalidade. Porém, ao se antecipar a uma possível perda, Thom não consegue separar-se do objeto da perda, pois o processo não foi concluído, estabelecendo uma patologia própria da melancolia.
No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego. O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível, ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acha que uma mudança se tenha processado nele, mas estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor. Esse quadro de um delírio de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia e pela recusa a se alimentar, e o que é psicologicamente notável, por uma superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida. (FREUD, 1996, p. 251-252)
O texto, como um todo, possui um forte caráter negativo e de descrédito em suas abordagens com relação à existência, ao relacionamento familiar, ao relacionamento amoroso, o que como vimos aproxima Eno do teatro de Beckett. Porém, no final da peça, o autor, ao trazer a possibilidade de redenção para o palco, acaba por novamente se aproximar da postura de Albee. Thom sussurra para o público:

Mmmm. Mmmm. Eeeedooo. Uma palavra sem definição. “Medo”. Nada que deva amedrontar. Lindo. Certo. Aí, o menininho, um tanto hilariamente, nunca foi capaz de – (Muito alto, um último urro.) Buu! (Voz suave. Calmo. Para a platéia em geral.) Desculpem de novo. Basta. Eu tenho que ir. Você tem que ir. Talvez alguém esteja esperando. Por favor, seja alguém esperando. Eu já acabei aqui. Coisas importantes vão acontecer, agora. Prometo. Seja estável, seja estável, seja estável, seja estável.
Breve pausa. THOM PAIN olha para a pessoa no palco, como se desafiando-a a agir, a responder. THOM PAIN anda alguns passos para a frente do palco.
Eu sei que isso não foi muito, mas permita que seja o bastante. Faça isso. Buu. Não é maravilhoso estar vivo? (TP, p. 18)
A fortíssima relação com o pensamento de Edward Albee pode ainda ser verificada através do recado que o dramaturgo deixa para a nova geração de escritores no final de uma entrevista concedida ao site da Academy of Achievement:
[...] que busquem na própria mente e imaginem o que querem fazer com a vida, de uma forma real e que percebam quem realmente são. Que não percam tempo fazendo algo que os aborreça, e que sintam que é fútil ou perda de tempo. É a sua vida, o seu bem mais importante, utilize com a melhor forma. "Utilidade" é a coisa mais importante. A vida deve ser usada de uma forma útil, e não ser mesquinha. (ALBEE, s/d.)
Assim, Thom Pain se afasta da metafísica beckettiana e coloca a vida no centro das atenções; exalta a maravilha de estarmos vivos e a possibilidade de enfrentar o medo, a solidão humana, ao invés de, como Beckett, mostrar que não resta nada a fazer para a redenção de nossa triste condição, de nossa crise espiritual, sendo que o homem do nosso tempo sabe que está só e abandonado num deserto, num mundo sem promessa:
Saber se a vida vale ou não a pena ser vivida, e a falta de um sentido superior para a vida é um convite a seu aniquilamento. Assim como Sísifo volta a sua pedra, o homem volta para a vida, o homem absurdo retoma a sua vida numa noite que sabe sem fim. (MACIEL, 1959, p. 59)

2.3 A PRODUÇÃO DA PRESENÇA

Will Eno vai trabalhar a sua dramaturgia na forma de um monólogo pós-dramático eliminando o conceito de essência para produzir tudo como presença (aparência), num modelo que floresce com todo um potencial de desintegrar, desmantelar e desconstruir o drama em si, proporcionando ao teatro o direito do disparate, do fragmentado, da presença ao invés da totalidade e da ilusão. Thom Pain, assim como a maior parte das novas experiências teatrais privilegia um discurso que convida o público a ser o seu interlocutor, sem a existência da separação entre palco e platéia, prevalecendo a “presença” ao invés da representação. A platéia no papel de interlocutor assume grande importância, uma vez que, sem a sua presença real, o monólogo também poderia revelar certos traços dialógicos com o protagonista dirigindo-se a um interlocutor imaginário ou exteriorizando um debate de sua própria consciência.

O “monólogo” é um diálogo interiorizado, formulado em “linguagem interior”, entre um eu locutor e um eu ouvinte: ‘Às vezes, o eu locutor é o único a falar; o eu ouvinte permanece, entretanto, presente; sua presença é necessária e suficiente para tomar significante a enunciação do eu locutor. Às vezes também o eu ouvinte intervém para uma objeção, uma pergunta, uma dúvida, um insulto’. (BENVENISTE citado em PAVIS, 1999, p. 247)

A locução do ator passa a ser acentuada como alocução ao público e seu discurso, que é de uma pessoa real, de modo que a expressividade desse seu discurso se revela mais como dimensão “emotiva” da locução do ator do que como expressão da emoção do personagem representado por ele.

Com isso atualiza-se uma cisão latente do teatro: o discurso teatral desde sempre foi intracênico, dirigido de ator para ator, e extracênico, dirigido ao théatron. Dessa conhecida duplicidade de todo teatro, o teatro pós-dramático extraiu a conseqüência de que em princípio deve ser possível levar a primeira dimensão à beira do desaparecimento e ativar a segunda para lograr uma nova qualidade de teatro. [...] No teatro pós-dramático a situação teatral não é meramente acrescida à realidade autônoma da ficção dramática, mas se torna ela mesma uma matriz em cujas linhas de energia se inscrevem os elementos das ficções cênicas. O teatro é enfatizado como situação, não como ficção. [...] Já que nessa tendência do teatro pós-dramático não se trata simplesmente da aplicação do monólogo como forma textual, é preferível usar um neologismo: trata-se de “monologias’ que podem ser sintoma e indício do deslocamento pós-dramático do conceito de teatro. (LEHMANN, 2007, p. 212)

Dessa forma, o pressuposto de uma presença efetiva do ator no texto Thom Pain talvez seja o elemento mais importante a ser oferecido pelo teatro pós-dramático, pois se é do conhecimento de todos que muitos dos elementos pós-dramáticos, como a intertextualidade e a metalinguagem, já se encontravam presentes em outras estéticas teatrais, a presença efetiva no sentido da “produção da presença”, conceituada por Hans Ulrich Gumbrecht, a partir da filosofia contemporânea que elimina os antigos conceitos de essência e aparência para tornar tudo uma aparência pós-moderna. De uma maneira geral, pode-se entender a presença como o sentido de trazer para diante de nós um objeto no espaço, ou ainda, a relação com todos os processos que a presença dos objetos tem no corpo humano:

[...] uma presença, mas ela é diferente da presença de uma imagem, de um som, de uma arquitetura. Ela é uma co-presença – mesmo que não seja essa a intenção. Por isso, já não se sabe ao certo se essa presença nos é dada ou se somos nós espectadores, que primeiramente a produzimos. A presença do ator não é contraparte passível de objetivação, um “ob-jeto”, um presente, mas “com - presença” no sentido de uma implicação inevitável. A experiência estética do teatro — e a presença do ator é o caso paradigmático, já que abrange todas as confusões e ambigüidades associadas ao limite do estético — é reflexão apenas num sentido secundário. Esse sentido só tem lugar ex post, de modo que não seria motivado sem a prévia introspecção de um dado que não se presta à reflexão, comportando assim um caráter de choque. Toda experiência estética possui esta bipolaridade: confrontação com uma presença “súbita” e segundo o princípio aquém (ou além) da reflexão que se rompe e se duplica; elaboração reflexiva dessa experiência a partir de uma lembrança posterior. (LEHMANN, 2008, p. 237)

O conceito de presença é uma crítica ao excessivo racionalismo da modernidade, que esqueceu que os objetos (“coisas do mundo”) podem ser mais que uma simples atribuição de um significado metafísico e que o impacto dessas coisas podem ir além da razão, perpassando todo o nosso corpo físico. Essa “ditadura” do significado pela razão tem sido a prática básica das “humanidades”, sem levar em conta que a experiência estética oscila entre os efeitos “presentes” e os efeitos de “significação”, um conceito semelhante ao da “doença romântica” de Nietzsche, em seu sentido de que o hiper-desenvolvimento do consciente – que por sua vez é escravo da linguagem – acarretou uma consciência clarividente demais que, para o filósofo, é uma doença, uma doença muito real (NIETSZCHE, 1998, p. 254).
O caminho que leva ao surgimento da “doença romântica” tem início na época do Renascimento, quando a filosofia, dentro de um novo paradigma, assume uma posição intelectual e desencarnada, com o mundo passando a ser simplesmente algo material. Porém, para interpretá-lo é necessário identificar a sua essência, algo que se encontra escondido atrás ou dentro dele e que expressa os seus sentidos mais profundos. A interpretação meramente “racional” faz com que se crie um abismo entre o mundo real e a sociedade.
O teatro segue um caminho semelhante na Idade Média; o teatro medieval parece ter funcionado de uma maneira diversa a esse excesso de racionalismo, pois, de acordo com alguns manuscritos estudados pelos filólogos, a cenografia da época dava prioridade à entrada ao corpo de um ator, palhaço ou humorista, num espaço que dividia com os corpos dos espectadores. Para Gumbrecht (2004, p. 31), embora esses manuscritos não provessem aspectos relativos às interações entre os atores e a platéia, nós poderíamos imaginar que a improvisação dependeria dos componentes de cada situação específica.
A commedia dell’arte talvez tenha sido a única escola de dramaturgia que preservou essa “presença” no contexto inicial da modernidade. Esse teatro, que surgiu na Itália em meados do século XVI, tinha como uma das suas principais características a improvisação nos diálogos, em que os atores muito mais participavam de um jogo do que representavam, uma vez que as peças não possuíam scripts que os ligassem a um enredo comum. Na França, paralelamente à commedia dell’arte, começou a aparecer um novo estilo teatral – representado pelos autores franceses Corneille, Moliére e Racine – em que uma complexa produção semântica passa a dominar a cena em detrimento de qualquer produção da presença, o que permitiu a Gumbrecht chamar esse drama clássico de “cartesiano”, ao invés de francês (GUMBRECHT, 2004, p. 32).

O mais elementar – e mais importante – instrumento epistemológico que o teatro clássico francês institucionalizou na moderna cultura ocidental foi a prioridade da dimensão de tempo sobre a de espaço, numa cultura que não estava mais centrada no ritual de produzir “presença real”, mas baseada na predominância do cogito – a predominância que tinha já se cristalizado no ritual em si mesmo. (GUMBRECHT, 2004, p. 34)

Toda essa excessiva racionalidade através da linguagem, esse afastamento da “presença,” que tem seu início com Descartes e encontra-se na relação sujeito-objeto de Kant, acaba por entrar em suspeição a partir do momento que uma nova visão aparece no final do século XIX:

Durante as décadas finais do décimo nono século, a filosofia, a ciência, e a literatura abundaram com outros experimentos dedicados a re-conectar experiência e percepção. [...] Friedrich Nietzsche, que fascinou Heidegger como o último metafísico (ou como o primeiro filósofo europeu a ter superado a metafísica), nunca deixou de advertir sobre a concentração escolar nos valores superficiais filológicos de textos e na superficialidade material de máscaras, e por meio disso ridicularizando todos os esforços para encontrar a significação última e a verdade embaixo ou atrás delas. (GUMBRECHT, 2004, p. 41)

A construção da personagem Thom Pain traz a presença do ator para o centro do palco, uma vez que o objetivo do teatro pós-dramático é quebrar a ilusão da representação, trazer o corpo do ator para o palco e reacender essa co-presença que foi extinta com a tradição moderna no teatro. Eno trabalha ainda com uma interpretação que poderia ser chamada de “não-interpretação”. O subtítulo “baseado em nada” mostra a necessidade do autor em fugir da racionalidade exacerbada, pois o “nada” pode ser entendido por várias perspectivas, tais como uma auto-ironia pelo excesso de recursos intertextuais e metalingüísticos; como uma total ausência de significação, ou ainda, como já pudemos analisar em Heidegger, como o nada da experiência fundamental da angústia:

A angústia revela o Nada (Nichts). Nela ‘pairamos suspensos’. Mais claramente, a angústia nos deixa suspensos porque ela faz deslizar o ente em sua totalidade. (...) A angústia nos corta a palavra. Pela razão de que o ente desliza em seu todo (im Ganzen), e assim o Nada nos acua, todo dizer “é” silêncio em face dela. Se é verdade que sob o incômodo do desabrigo da angústia procuramos, muitas vezes, quebrar o vazio do silêncio com palavras quaisquer, ainda isto constitui um testemunho da presença do Nada (die Gegenwart des Nichts) (HEIDEGGER citado em NUNES, 1992, p.114)

Eno, ao elaborar a peça como uma fábula que não se baseia em nenhuma coisa – uma ironia exacerbada, pois ele trabalha todo o texto a partir da intertextualidade –, procura mostrar que quaisquer palavras desprovidas da presença do ator, de uma experiência pessoal entre ele e a platéia, podem não significar nada, ou pelo menos não trazer toda a significação que poderia ser extraída. Para Gumbrecht, a produção da presença pode:

Fazer alguma coisa em adição à interpretação – sem abandonar a interpretação como uma prática intelectual elementar e provavelmente inevitável. [...] pode permitir-nos, nas Humanidades, a relatar o mundo numa forma mais complexa que uma simples interpretação, que é mais complexa que somente atribuir sentido ao mundo (ou, para usar uma topologia mais antiga, é mais complexo que extrair sentido do mundo). (GUMBRECHT, 2004, p. 52)

O modo de representação clássico é substituído pela produção da “presença”, que já pode ser encontrada no início da peça quando, em meio à escuridão, Thom tenta por duas vezes acender o cigarro sem sucesso. O simples acender de um palito de fósforo pode se apresentar com o intuito de desvelar a realidade, referindo-se às próprias coisas do mundo, priorizando a revelação dos objetos, que aparecem em detrimento à sua interpretação e significação. Em seguida, Thom, de imediato, busca o reconhecimento da platéia como o seu interlocutor:

Entra na escuridão, permanece o escuro. Um fósforo é aceso, para acender um cigarro. Ele é apagado, acidentalmente, sem o cigarro ter sido aceso.
Que maravilha ver todos vocês.
Um segundo fósforo, a mesma coisa.
Eu deveria parar. (TP, p. 3)

No momento seguinte, ainda na escuridão, Thom, numa crítica à excessiva racionalidade do mundo das palavras, numa alusão à “falência” da linguagem, lê os vários significados da palavra medo em um dicionário:

Abre aspas, ‘Medo’
1. Qualquer das discretas partes do rosto, ou dos olhos ou boca, ou olhos.
2. A capital de Lower Meersham, no canto norte do central sudoeste. População de 8.000.001, aproximadamente.
3. Medo.
4. Veja três.
5. Não há nenhum sete. (Pausa) Coloquial. Arcaico. Um verbo. Ou substantivo. Depende. ‘Fecha aspas’. (TP, p. 3)

Eno, ao apresentar uma série de significados para a palavra medo que na verdade não conseguem clarear muito o seu sentido, traz à tona a alusão da impossibilidade da significação, ao fato de que nunca alcançamos o significado, pois a significação não está no presente, em um signo, e depende daquilo que está disperso ao longo de uma cadeia de significantes dentro de um processo temporal. “A frase chega ao fim, mas a língua não” (EAGLETON, 2003, p. 176).
Ainda no início do texto, logo depois que as didascálias indicam o acendimento dos refletores, a personagem Thom aparece limpando um par de óculos, produzindo a sua presença. Para Denis Guénoun (2004, p.133), no teatro pós-dramático os atores não mais buscam a produção de identidades narrativas, mas sim a existência cênica, a existência física, a exibição do próprio corpo não como a adequação a uma imagem, e sim na forma de uma integridade que, como vimos, Gumbrecht chama de produção da presença. A produção da presença que permeia toda a construção textual aparece no limpar das lentes dos óculos, na dificuldade “real” de acender um fósforo, ou seja, na aparência de uma coisa que não possui em si mesma uma significação única e no fato de que existe uma total limitação do controle humano sobre as coisas.
O filósofo alemão Martin Seel (citado em GUMBRECHT, 2004, p. 63), repetidamente associa aparecimento com presença − e seja o que for que “aparece” é “presente” porque faz com que seja disponível para os sentidos humanos. Ainda chama a atenção para o fato de que o aparecimento das coisas sempre produz uma preocupação do controle dessas coisas pelo homem, que tenta identificar e entender as condições e instrumentos através dos quais aquela aparição pode ser produzida numa determinada cultura, onde a atribuição – e não a percepção sensitiva – é primordialmente instituída através das formas que usamos na representação do mundo. A necessidade da aparição é debatida por Thom, que continua a conversar com a platéia, perguntando se ela precisa vê-lo para ouvi-lo: “Vamos dar início à nossa história. Vocês querem uma história? Vocês precisam me ver para me ouvir? Se for o caso, desculpem. Ainda não” (TP, 3).
Eno também constrói a presença de Thom através da apropriação que o homem faz do mundo, uma apropriação que pode ser notada no ato de “comer as coisas do mundo”, o que inclui a antropofagia ou teofagia – comer o corpo e beber o sangue de Cristo – num caminho direto de se tornar uma das coisas do mundo na sua presença tangível, ou na apropriação obtida através da “penetração” de coisas e corpos, ou seja, contato e sexualidade entre corpos, agressão, destruição e assassinato (GUMBRECHT, 2004, p. 86):

[...] um menininho espalhando desesperadamente abelhas com ferrões sobre seu corpo ensangüentado. Desesperadamente berrando ‘Me ajudem, Abelhas, Socorro’, e colocando sua pequenina mão inchada dentro da colméia para pegar mais (TP, p. 10).

Esse contato entre o menino e as abelhas que quase o devoram, que o agridem, numa relação de corpos com corpos, não só faz com que a presença de Thom seja sentida por sua apropriação do mundo, mas também funciona na mesma direção da produção da presença, uma vez que cria um “momento de intensidade”, que é construído como uma experiência fora da cotidianidade:

Não existe nada edificante nesses momentos, nenhuma mensagem, nada que possa realmente ser aprendido com eles – e isso é porque eu gosto de me referir a eles como ‘momentos de intensidade’. Porque o que eu sinto é provavelmente nada mais que nossas faculdades cognitivas, emocionais e quem sabe físicas. [...] Esses momentos trazem o apelo específico, as razões que nos motivaram para uma visão de uma experiência estética e a exposição de nossos corpos a este potencial. (GUMBRECHT, 2004, p. 98-99)

A situação de ocorrência deve guardar certa distância da experiência estética dos dias comuns, visto que no dia-a-dia normalizamos a estética pela ética e acabamos por perder essa intensidade. A estética e a ética são incompatíveis nessa experiência, pois, ao adaptar a intensidade estética para os requerimentos éticos acabamos por diluir essa intensidade (GUMBRECHT, 2004, p. 102).

A cachorra se aproximou, parou para se coçar. [...] Então ela abaixou a cabeça para beber água de uma poça e foi eletrocutada. Uma linha de força tinha caído e estava largada, desfiada na água. Ela foi lançada a uma certa distância, voou como um pássaro mal-acabado. As pálpebras de seus olhos queimaram fora, fumegando, as solas das patas transformadas em pústulas. Ela morreu instantaneamente. (TP, p. 5)

O afastamento da cotidianidade pode acontecer por meio de objetos que nos separam da rotina temporariamente (a morte da cachorra eletrocutada), fazendo com que a experiência estética nos faça transcender o dia-a-dia através da percepção da “presença”. “Não existe nada mais enfadonho que a produção de mais uma nuance de significado, para um pouco mais de sentido” (NANCY citado em GUMBRECHT, 2004, p. 105).
Porém, se o momento de intensidade na bricolagem do texto de Eno produz a presença, não é menos verdade que o elemento “repetição” também contribui nesse sentido. A repetição é uma maneira de se transgredir o fabulismo linear e, portanto, a ilusão, pois o autor, ao optar pela repetição em detrimento da progressão, pela variação ao invés da variedade, não procura meramente uma alternativa formal, mas sim mostrar a produção da presença numa distância entre o quadro cênico e o real, que foi drasticamente reduzida na época que atravessamos. “As grandes narrativas orais, as narrativas fundadoras, os mitos calaram-se. [...] se tornou impossível se retomar qualquer discurso da verdade” (SARRAZAC, 2002, p. 84).
O artifício da repetição pode ser verificado quando Thom passa a falar diretamente com a platéia sobre um sorteio de rifas: “Agora eu acho que seria uma boa hora para a rifa. Eu espero que todos tenham guardado seus ingressos, atrás do qual há um número. Nós temos uns prêmios bem bacanas. [...] Não existe nenhuma rifa. Quem disse que ia ter uma rifa?” (TP, p. 6). A seguir ele começa a narrar sobre os problemas existenciais para em seguida repetir: “Agora eu acho que seria uma boa hora para a rifa. Eu espero que todos tenham guardado seus ingressos” (TP, p. 7). A rifa aparece novamente quando ele faz uma espécie de resumo do que já tinha falado: “Certo. Fiz a rifa, contei a piada sobre o cavalo” (TP, p. 12), e quando começa contar sobre o dia em que conheceu a namorada: “Talvez tivesse uma rifa. Talvez todos nós ganhamos” (TP. P. 15).
O elemento “rifa”, que aparentemente está fora da peça, não pode ser considerado simplesmente como um elemento de distúrbio porque, assim como o “gostar de mágica” – que se repete ao longo da peça –, possibilita um relacionamento mais “real” com a platéia. Thom inicialmente pergunta: “Vocês gostam de mágica? Eu não.” (TP, p. 3), para no decorrer da peça mudar a sua opinião: “Vocês gostam de mágica? Eu gosto. É razoavelmente recente esse meu amor pela mágica. Eu fiz sérios avanços em uma mulher, uma vez, fazendo truques de cartas com um baralho” (TP, p. 8). Na continuidade ele mostra a ambivalência, uma característica humana: “Vocês gostam de mágica? Eu gosto. Eu acho. É bem ambivalente esse meu amor” (TP, p. 13), para finalmente concluir: “Eu não gosto de mágica, eu não sou bom nisso, e eu não gosto, mas eu faço um pequeno Truque de Desaparecimento. Eu vou precisar de um outro voluntário” (TP, p. 16).
Essa construção pode, num primeiro momento, mostrar-se banal e tediosa, haja vista que essa experiência do real e da falta de ilusões fictícias pode, com freqüência, suscitar uma decepção quanto a sua redução e pobreza manifesta. Mas ela ganha uma importante significação em termos da produção da presença ao admitir novos modos de percepção por parte do público. “[...] desde que os impressionistas ofereceram relvas banais em vez de grandes temas, desde que Van Gogh pintou cadeiras humildes, é evidente que a trivialidade, a redução ao mais simples, pode ser uma condição incontornável para a identificação de novos modos de percepção” (LEHMANN, 2008, p. 164).
Nesse panorama, as “pausas” apóiam de maneira definitiva a produção da presença, abolindo a diferenciação do objeto intencional da encenação em relação à apresentação meramente ocasional, como pode ser notado em vários momentos do texto: quando Thom titubeia ao falar que deveria parar de fumar: “Eu deveria parar. Pausa. Nós deveríamos definir alguns termos agora” (TP, p. 3); depois de relatar dos arcos de violino pegando fogo: “Agora vão se foder. Pausa. Ele tira um pequeno pacote de sementes de girassol e come algumas” (TP, p. 4); nas mudanças repentinas na direção do texto:

Devo amar vocês lentamente e ser sincero? Devo lhes acariciar o rosto, suavemente, quase nada, e trazer um copo de água fria na noite úmida insone? Tanto faz.
Pausa.
Enquanto isso, nós estávamos falando do menino, uma criança vestida de cowboy [...]. (TP, p. 4)

É passível de se perceber no texto que, para o público, tais pausas tanto podem ser uma falha do ator que esqueceu o texto, um “branco”, como pode ser uma pausa apresentada de forma absolutamente intencional e, portanto, fazendo parte do plano da encenação. Nesse caso elas pertencem sistematicamente ao dado estético do teatro, enquanto que a pausa causada pela falha do ator trata-se apenas de um erro ocorrido naquela apresentação específica:

Somente o teatro pós-dramático explicitou o campo do real como permanentemente “co-atuante”, tomando-o de modo factual, e não apenas conceitual, como objeto não só da reflexão – como no romantismo –, mas da própria configuração teatral. (LEHMANN, 2008, p. 164)

O real continua em seu papel de “co-atuante”, com a platéia invadindo o palco, com a personagem Thom trazendo uma pessoa para o palco. É interessante notar que Eno apenas sugere que haja um ator disfarçado na platéia, mas não se pode eliminar a possibilidade de um espectador resolver entrar no jogo (TP. P. 16).

O Truque de Desaparecimento. Lá vamos nós. (Para a pessoa no palco.) Agora, feche os olhos. Você tem que confiar completamente que eu não vou. (Ele se interrompe, pausa, dá um passo em direção à platéia, deixando a pessoa atrás dele, para o fundo do palco.) Vocês sabem, ela voltou para mim, mais ou menos. Eu tive o pior sonho, na outra noite. Eu vou poupar vocês dos detalhes. E das partes principais. Mas quando eu acordei, eu saí para uma caminhada. (TP, p. 16)

Thom volta então a fazer um resumo de seu relato “livre associado” para a platéia, de uma forma ainda mais fragmentada, caleidoscópica e repetitiva, que termina com ele virando-se para a pessoa que está no palco: “Eu achei que você já teria ido embora por agora. [...] Buu! (Voz normal.) Desculpe. Tome meu copo d’água. Sua garganta deve estar secando, de todas as coisas que você nunca vai dizer” (TP, p. 17).
A entrega do copo d’água – sempre como um elemento do mundo que concretiza a presença – para uma garganta seca que nada falou (mas que estava presente) é uma forma de buscar resgatar a imagem da água como um som fundamental, pois ela, como o riacho, o rio e a cascata, tem um falar que os homens compreendem naturalmente. “Uma música de humanidade” que possa fazer com que a existência apoiada na comunicação, ao trocar experiências de existência traga uma espécie de redenção (WORDSWORTH citado em BACHELARD, 2002, p. 201).

O regato nos ensinará a falar ainda assim, apesar das dores e das lembranças, ele vos ensinará a euforia pelo eufuísmo, a energia pelo poema. Ele vos repetirá, a cada instante, alguma palavra bela e redonda que rola sobre as pedras. (BACHELARD, 2002, p. 202)































3 A CONCRETIZAÇÃO CÊNICA DE THOM PAIN DE WILL ENO

3.1 SOBRE A ANÁLISE DO ESPETÁCULO

Para o texto dar o nascimento a uma encenação o trabalho é árduo. O que o público assiste na estréia já é um produto final, portanto não lhe é dado observar esse trabalho de preparação do diretor, sendo-lhe difícil ter a real idéia do processo arduamente elaborado: “[...] o resultado já está ali: um pequeno ser sorridente ou amargurado, ou seja, um espetáculo mais ou menos bem sucedido, mais ou menos compreensível, no qual o texto nada mais é que um dos sistemas cênicos, junto aos atores, ao espaço, ao ritmo temporal” (PAVIS, 2008, p.21).
Em nossa análise, buscamos compreender o espetáculo através da sua encenação e de suas diversas relações com o espaço e o tempo determinados, iluminação, cenário, trabalho corporal, enfim, os mais diversos materiais (sistemas significantes) em função de um público. Assim, a partir das considerações críticas de Patrice Pavis (2008, p. 21), que define a encenação como uma noção estrutural, um objeto teórico e um objeto de conhecimento, procederemos à análise com o objetivo de descrever os mecanismos de constituição de sentido da encenação.
Quanto ao texto dramático pré-existente à encenação, este será totalmente reescrito, uma vez que a encenação se coloca em relação a todos os sistemas significantes. Esses sistemas de símbolos criados pelo homem, compartilhados, convencionais, ordenados e, evidentemente apreendidos, fornecem aos homens um esquema contendo sentido para se orientarem uns em relação aos outros, ou através da relação com o mundo e consigo mesmos, tendo como parâmetro uma determinada cultura:

O texto dramático compreende inumeráveis sedimentos que, igualmente, possuem traços desses feitios; no corpo do ator, nos ensaios ou na representação, ele é como que penetrado pelas “técnicas corporais” próprias de sua cultura, de uma tradição de representação ou de uma aculturação. (PAVIS, 2008, p. 7)

O antropólogo Clifford Geertz, em seu estudo Do ponto de vista dos nativos (2001), afirma que ao descrever o uso dos símbolos estamos descrevendo também percepções, sentimentos, pontos de vista, experiências e, ainda, que quando declaramos que compreendemos esses meios semióticos, estamos no meio de um bordejar dialético contínuo entre o menor detalhe nos locais menores e a mais global das estruturas globais.
Nessa perspectiva é importante salientar a diferença entre representação e encenação. Enquanto a primeira é tudo aquilo que é visível e audível sobre o palco, sem, no entanto, ainda ter sido recebida e descrita como um sistema de sentido, como um sistema pertinente de sistemas cênicos significantes, a encenação se define como a colocação em relação a todos os sistemas significantes, em particular à enunciação do texto dramático na representação. Dessa forma, essa encenação não é o objeto empírico, a reunião incoerente de materiais, muito menos a atividade mal definida do encenador e de sua equipe antes da entrega do espetáculo:

É um objeto de conhecimento, o sistema das relações que tanto a produção (os atores, o encenador, a cena em geral), quanto a recepção (os espectadores) estabelecem entre os materiais cênicos a partir daí constituídos por sistemas significantes. (PAVIS, 2008, p. 22)

O reconhecimento de que entre o texto e a cena nunca predomina uma relação harmônica, mas sim um permanente conflito, é aprofundado no teatro pós-dramático (LEHMANN, 2008, p. 245), sendo que a dificuldade em analisar a “encenação” deve-se, sobretudo, à multiplicidade desse caráter que impossibilita a existência de um único conjunto teórico para determinar se compreendemos adequadamente uma encenação, ou se a multiplicidade das teorias e das observações contraditórias só fizeram obstruir a visão “simples e clara” do espetáculo.

A essa multiplicidade de métodos e pontos de vista acrescenta-se a extrema diversidade dos espetáculos contemporâneos. Não é mais possível reagrupá-los sob um mesmo rótulo, mesmo sendo um tão complacente como “artes do espetáculo”, “artes cênicas” ou “artes do espetáculo vivo”. Está concernido tanto o teatro de texto (que encena um texto preexistente) como o teatro gestual, a dança, a mímica, a ópera, o Tanztheater (dança-teatro) ou a performance: exemplos de manifestações espetaculares que são produções artísticas e estéticas, e não simplesmente “Comportamentos Humanos Espetaculares Organizados” (PAVIS, 2005, p. XVIII).

A análise da encenação de uma peça teatral não pode ser elaborada do modo como um espetáculo era concebido no passado, ou seja, como uma mera transposição de um texto para uma representação. Isso porque essas estruturas não são passíveis de se situarem no mesmo plano ou no mesmo espaço teórico, bem como não se pode reduzir uma estrutura a outra.
No capítulo anterior, apesar de analisarmos o texto através do olhar de um “leitor imaginativo”, abordamos o texto independentemente de uma enunciação cênica. Já na presente análise, o texto surge como um dos componentes da encenação concreta, levando sempre em conta, nesse caso, a enunciação, coloração e energia que a cena imprime. Essa produção cênica é dotada de toda a autoridade e toda autorização para dar forma e sentido ao conjunto do espetáculo através de sistemas significantes, sendo recebida e reconstituída por cada um dos espectadores.
Nessa perspectiva, a análise do espetáculo, longe de objetivar reconstituir as intenções da produção cênica ─ figura abstrata que envolve o encenador, o ator e o coreógrafo, entre outros ─, trabalha com a finalidade de receber e interpretar o sistema que se encontra na base dessa produção artística, procurando a partir da escolha de algumas ferramentas constitutivas de um imenso arsenal teórico, emitir uma, entre as diversas hipóteses viáveis, sobre como se estabelece a relação dialética entre o sistema escolhido pelos produtores e aquilo que o espectador recebe.
No decorrer do processo da produção da encenação, os produtores tomam decisões artísticas e técnicas, sem que tais decisões se reduzam a intenções que devam ser ─ uma vez o espetáculo desenvolvido e terminado ─ reconstituídas para testar sua realização ou fidelidade. “A análise não deve, de fato, se obrigar a adivinhar todas essas decisões e intenções, ela se baseia no produto final do trabalho, por mais inacabado e desorganizado que esteja” (PAVIS, 2005, p. XVIII).
A análise do espetáculo Thom Pain tem como base a apresentação realizada durante o XVI Festival de Teatro de Curitiba, no dia 23 de março de 2007, sendo o protagonista o ator Guilherme Weber, sob a direção de Felipe Hirsch, apresentando prioritariamente uma visão da “recepção” através de uma experiência viva e concreta da encenação:

A análise só existe se o analista assistiu pessoalmente a representação “ao vivo”, em tempo e lugar reais, sem o filtro deformante de registros ou testemunhos. (...) É importante notar que o importante não é a forma da análise, não se trata de encontrar o método correto de análise, que não existe em si, e sim de refletir sobre os méritos de cada abordagem ao examinar o que ela dá a descobrir em relação ao objeto analisado: pluralismo dos métodos e questionamentos que, no entanto não é, muito pelo contrário, um relativismo pós-moderno. Cada componente da representação merece ser examinado em si e em sua relação com os demais; exige seus próprios instrumentos de investigação e torna muito improvável uma teoria, sem nos esquecer da capital importância de olhar a encenação como um todo, sem que para isso se recaia em um impressionismo crítico ao qual as pessoas de teatro resistem um pouco. (PAVIS, 2005, p. 2)

Dessa forma, o nosso objetivo como espectador, num primeiro momento, é elaborar uma análise localizando os elementos que constituíram o espetáculo, estabelecendo e aprofundando as ligações entre eles, pois para penetrar no incrível universo de significantes ofertado pela encenação é necessário decompor, cortar, fatiar o continuum da representação em camadas finas, o que para Pavis significa que este procedimento:

[...] evoca mais o trabalho de um açougueiro ou um “despedaçamento” do que uma visão global da encenação e pela encenação. No entanto, o espectador tem necessidade de perceber, logo de descrever, uma totalidade, ou pelo menos um conjunto de sistemas eles mesmos já estruturados e organizados, o que entendemos hoje pelo termo de encenação. Nesse aspecto, não haveria muito sentido em se falar da análise da encenação, já que a encenação é, por definição, um sistema sintético de opções e de princípios de organização e não, como o espetáculo ou a representação, o objeto concreto e empírico da futura análise. A encenação é um conceito abstrato e teórico, um ramal mais ou menos homogêneo de escolhas e limitações, designado às vezes pelos termos de metatexto ou de texto espetacular. O metatexto é um texto não escrito que reúne as opções de encenação que o encenador tomou, conscientemente ou não, ao longo do processo dos ensaios, opções que transparecem no produto final (ou, se não for o caso, que podemos encontrar no caderno de direção, sem que esse caderno seja, no entanto, idêntico ao metatexto. O texto espetacular é a encenação considerada não como objeto empírico, mas enquanto sistema abstrato, conjunto organizado de símbolos. (2005, p. 4)

A análise se baseia ainda no conceito de reportagem, que indica o desenrolar da representação como um jogo que se passa em cena entre os “jogadores”, captando o espetáculo por dentro, no calor da ação, através da experiência concreta daquilo que toca o espectador no momento da representação. A análise busca ainda verificar como é o punctum do espectador, como ele é interpelado pela energia emocional e aspectos cognitivos da dinâmica da representação, pelas ondas de sensações e sentidos geradas pela multiplicidade e a simultaneidade dos signos.
Apesar de darmos nesse ensaio a prioridade às análises das concretizações cênica e receptiva (item 3.3), e também do chamado “teatro da energia” que trabalha com a troca de energia entre o ator e a platéia (item 3.4), existem outras importantes etapas presentes (concretizações textual e dramatúrgica) que tratamos no item 3.2., tomando como base, apenas em seu aspecto esquemático e cronológico o esquema de concretizações proposto por Pavis (2008, p. 126):

Cultura-fonte Cultura-alvo
T0 T1 T2 T3 T4
Texto- Fonte Concretização textual Concretização dramatúrgica Concretização cênica Concretização receptiva
Texto de Will Eno Texto traduzido Concepção e produção Hirsch/Weber Encenação realizada no dia 23 de março Recepção do dia 23 de março


No entanto, é importante observar que no longo caminho de nossa análise que vai desde o texto Thom Pain, escrito em inglês (cultura-fonte) ─ base da nossa análise textual ─ até a concretização cênico-receptiva do espetáculo em Curitiba (cultura-alvo), ao inserirmos novas ferramentas teóricas, tanto na análise cênico-receptiva, como no teatro da energia, acabamos por nos utilizar esse modelo muito mais em seu caráter cronológico do que em seu caráter analítico.


3.2 CONCEPÇÃO E PRODUÇÃO

A tradução do texto Thom Pain para o português, elaborada pelas tradutoras Érica de Almeida Rego Migon e Úrsula de Almeida Rego Migon, não será objeto de nosso estudo, apesar do reconhecimento de sua importância no processo da produção, uma vez que o tradutor e o texto da tradução situam-se na intersecção de dois conjuntos, ou seja, o texto traduzido igualmente faz parte tanto do texto e da cultura-fonte quanto do texto e da cultura-alvo, tendo, portanto, necessariamente uma função de mediação.
O fato de o texto-fonte ter sido escrito em um contexto cultural diferente da cultura-alvo, exige que o tradutor se coloque na posição de um leitor e de um dramaturgo, que acaba por elaborar mais do que uma simples tradução − uma questão lingüística−, para se envolver em aspectos de estilo, cultura, ficção, entre outros. “Uma grande tradução, visto ser uma obra real, já contém a sua encenação. Idealmente, a tradução deveria comandar a encenação, e não o inverso” (VITEZ citado em PAVIS, 2008, p. 133-134).
Para demonstrar a importância da tradução, vamos problematizar a escolha da palavra “Whatever”, usada por Will Eno, para que a personagem Thom Pain descrevesse a si mesmo diante do que sentia: “Eu estou tipo tanto faz. Categoricamente. Como se uma grave confissão. Eu realmente estou tipo tanto faz” (TP, p. 4). De acordo com o Dicionário Michaelis, esse vocábulo possui vários significados, tais como: (i) qualquer, qualquer que, de qualquer tipo, seja qual for. whatever reasons we had / quaisquer razões que tivéssemos. (ii) tudo o que, tudo quanto. (iii) por mais que, não importa, o que quer que. whatever he did / o que quer que ele tenha feito. whatever I may do, I never satisfy you / por mais que eu faça, nunca o satisfaço. (iv) o que é que, que raios, que diabo. whatever did she mean by that? / o que é que ela queria dizer com isto? (v) de forma alguma, de nenhuma forma, absolutamente nenhum, sem nenhuma. they have no hope whatever / eles estão sem nenhuma esperança.
A tradução do texto, apesar de todas essas possibilidades de significação, foi elaborada a partir da expressão “Tanto Faz”, uma gíria estadunidense que apresenta o caráter de uma falta de entusiasmo: Do you want to go swimming? Whatever. / Você quer ir nadar? Tanto faz. Essa escolha orienta a encenação na direção de uma identidade fragmentada do protagonista, o qual apresenta uma falta de ânimo para assumir a própria identidade e uma dificuldade em se situar na própria existência. Se a tradução fosse feita num sentido mais literal, como por exemplo, “Um qualquer”, o caminho para a encenação poderia ter apontado para um protagonista que assumisse um papel mais determinístico, considerando-se ser ele como qualquer outro. No entanto, ao se traduzir por “Tanto Faz”, o texto torna-se ainda mais indeterminado, uma vez que o próprio Thom não reconhece seu nome e que também tanto faz, porque um nome não denomina nada, mostrando-se aqui a falência da linguagem. Esse reconhecimento do “Tanto faz” está de acordo com o fato de que:

A tradução teatral é um ato hermenêutico como qualquer outro: para saber o que o texto-fonte quer dizer, é preciso que eu o bombardeie com questões práticas a partir de uma língua e uma cultura-alvo, que eu me aproprie dele perguntando-lhe: situado lá onde estou, nessa outra língua que é a língua-alvo, o que você quer dizer para mim e para nós? (PAVIS, 2008, p.125)

O texto traduzido (T1), que se apresenta como uma apropriação do texto-fonte (KRUGER citado em PAVIS, 2008, p. 125) e se constitui como a primeira concretização, passa a ser a base para o processo de concretização dramatúrgica (T2), sendo importante notar que essas diversas concretizações são distinguidas apenas para clarificar o processo, pois na realidade, na maioria das vezes, elas se encontram em superposição.
Guilherme Weber , em entrevista para o trabalho, fala que a idéia da encenação de Thom Pain aconteceu a partir da visita do escritor Will Eno, que veio ao Brasil para assistir à estréia de sua peça Temporada de gripe (produzida pela dupla Weber-Hirsch). Entusiasmado com a encenação, cedeu os direitos do monólogo que estava escrevendo para que eles o produzissem no Brasil.
O exíguo tempo para a produção do espetáculo forçou a adoção de uma leitura do texto traduzido às pressas, não sendo possível ao ator uma maior pesquisa que incluiria, entre outras possibilidades, a verificação da peça já apresentada nos Estados Unidos. Dessa forma, muitas das idéias para a montagem acabaram por acontecer a partir da peça Temporada de gripe e também do contato próximo com o autor, que buscou traduzir a base de sua dramaturgia através do relato de um acontecimento:

O Will trabalha (ou trabalhava) como pintor de parede, vivendo uma vida muito simples em Nova Iorque. Uma vez, ele foi ao teatro para assistir um espetáculo, e numa determinada cena, uma cadeira deveria ser retirada de cena através de um fio de nylon – invisível para a platéia – que seria puxado a partir da coxia. Aconteceu, no entanto, que quando a cadeira foi puxada ela tombou e foi saindo às cambalhotas para desespero dos atores, deixando o público boquiaberto, uma sensação horrível. Essa passagem sensibilizou tanto o dramaturgo que quando ele é argüido a respeito do objetivo de suas peças, ele responde que ele escreve textos teatrais para causar essa mesma sensação de mal-estar, esse desconforto no público. Thom Pain é definido a partir dessa sensação de tudo dando errado. (GW)

A idéia inicial da produção era elaborar uma montagem dramática com o protagonista se movimentando através de vários focos de luz; porém, no desenvolvimento dos ensaios, começou a se mostrar mais interessante a permanência da personagem presa a um único foco de luz, diante de um microfone. Dessa forma, apesar de Weber-Hirsh não terem se baseado na produção americana, a produção brasileira elaborou a personagem Thom Pain na forma paródica de um comediante stand-up, uma forma de humor em que um “solitário” humorista se apresenta geralmente em pé (daí o termo stand up), munido apenas de um microfone, sem se transmutar para uma personagem ilusória, sem a utilização de nenhuma fantasia, sem nenhum acessório ou cenário. O humorista stand-up não conta piadas conhecidas do público (anedotas) e é normal que prepare números com texto original, construído a partir de observações do dia-a-dia e do cotidiano.

É um dos maiores exemplos de uma performance aqui e agora, pois ela acontece somente no tempo da alocução, enquanto a resposta do público completa a piada (que não tem muita graça até a platéia rir) – e é muito difícil de apreendê-la quando impressa. Outros gêneros de performance, naturalmente, também necessitam dessa dinâmica do público, mas parece que nenhum outro tipo de performance necessita tanto da resposta da audiência que esses comediantes profissionais. (KIRBY, s/d)

Thom Pain, na figura de uma “personagem stand-up”, remonta ao humorista americano Jerry Seinfeld, um comediante stand up, bastante conhecido do público brasileiro assinante dos canais fechados de televisão:

Acho que esse baseado em nada tem a ver com o Seinfeld, acho que ambos se referenciam no Beckett, no nada da vida, esse absurdo do cotidiano, a falência de comunicação, a falência de amor, a falência especialmente da arte e de linguagem. Will Eno, ao falar da falência da linguagem, inevitavelmente acaba falando da falência das relações e do amor. (GW)

No entanto, a montagem brasileira adquiriu um caráter mais minimalista que a montagem de Nova Iorque ─ em que o ator americano encenava um Thom Pain várias vezes andando pelo palco, chegando mesmo a ir até a platéia. A partir dos ensaios finais para a estréia do espetáculo que ocorreu em Porto Alegre, quando, quase por acaso, com a falta de tempo hábil para Weber decorar um texto tão difícil, a produção resolveu que o ator leria o texto num monitor, o que impossibilitou a andança pelo palco, obrigando Weber a ficar parado:

E aí quando a gente parou e olhou para aquele monitor e começou, foi um raio de luz; defini, é isso, por que a imobilidade é a imobilidade do Beckett, que é a imobilidade da arte, que é a imobilidade do ser humano, o stand up é isso, esse homem, encarcerado num foco de luz. (GW)

No trabalho de criação da personagem, a produção se dá no nível do ator, que vai elaborar a sua forma de atuar (consciente ou inconsciente), uma forma que está ligada a sua própria cultura (corporal, vocal e retórica), às convicções e expectativas, técnicas e hábitos, elementos que são carregados para o palco durante a encenação. Existe um “arquivo vivo do ator”, um arquivo que o ator faz em si mesmo de seus antigos papéis: arquivando-os, representa-os, consulta-os, compara-os, refere-os a sua presença passada e presente, retoma os momentos de grandes papéis, através de fragmentos da memória teatral, da retomada da atuação.
Essa memória viva do teatro é o bem mais precioso que pode possuir o ator. “Na época da memória eletrônica, do filme e da reprodutividade, o espetáculo teatral se dirige à memória viva que não é museu, mas metamorfose” (BARBA citado em PAVIS, 2005, p.39).

Nós usamos alguma coisa de Temporada de gripe, com respeito à linguagem, quando ele fala da falência do amor. Tem um momento que a abelha pica a língua do médico e ele fica com a língua tão inchada que ele não consegue mais falar. Essa situação ficcional - uma personagem que não consegue mais falar - mostra a falência da linguagem. Eu achava isso de uma riqueza e de uma beleza desesperadora. (...) Acho que tudo aquilo está presente em Thom Pain de uma maneira ou de outra. (GW)

O espetáculo, na visão de Weber, não se solidifica a partir das primeiras apresentações, e tem um caráter de work-in-progress, com as experiências e memórias, como o fato de ele considerar Thom Pain uma seqüência natural à Temporada de gripe:

Eu me preparei na produção de Temporada de gripe para fazer o Thom Pain, e a peça é literalmente um trabalho, um work-in-progress por que é muito profunda e tem muitas camadas. A importância do diretor Felipe Hirsch está em decifrar esses códigos junto comigo. (GW)

















3.2 CONCRETIZAÇÃO CÊNICA E RECEPTIVA

3.2.1 Cenário, iluminação e adereços cênicos

A concretização cênica é uma expressão usada não só no teatro como também no mundo cinematográfico e, apesar de existir um consenso mínimo em meio a um grande número de interpretações, pode, de uma maneira geral, ser literalmente traduzida do francês mise-en-scène, como “colocando em cena”, o que corresponderia ao momento T3 de Pavis, ou seja, é o teste no palco, quando a enunciação é realizada.
Acontece que não existe a possibilidade da concretização cênica T3 sem a concretização receptiva T4, pois as duas concretizações acontecem simultaneamente; são as duas faces de uma mesma folha de papel, sendo impossível dividi-las, trabalhá-las separadamente: tudo se dá na interface. A série de concretizações só será terminada quando o espectador receber a concretização cênica T3 e, por seu turno, apropriar-se dela (PAVIS, 2008, p. 129). Ou seja, a análise só pode ser realizada quando o texto-fonte chegou a pelo menos um espectador durante uma concretização cênica construída através de uma série de concretizações, traduções intermediárias e incompletas que reduzem, ampliam, ou adaptam o texto-fonte. O trabalho de toda concepção e produção teatral desemboca na concretização receptiva por parte de pelo menos um espectador.

[...] a situação da enunciação cênica está então concretamente realizada: ela deságua no público e na cultura-alvo, os quais verificam imediatamente se o texto passa ou não! A encenação, enquanto confrontação de situações de enunciações, virtual em T0 e atual em T3, convida a que se examinem todas as relações possíveis entre signos textuais e signos cênicos. (PAVIS, 2008, p. 129)

É importante notar que enquanto os momentos T1 e T2 podem ser analisados de uma forma a princípio isenta, os momentos T3 e T4 que são impossíveis de serem totalmente separados na realidade, acabam por adquirir os reflexos de uma análise baseada numa determinada cultura, sociedade e ideologia, ou como nos ensina Nietzsche, um juízo que sempre vem sempre à tona imbuído de valores:

O homem inventor de signos é ao mesmo tempo o homem cada vez mais agudamente consciente de si mesmo; somente como animal social o homem aprendeu a tomar consciência de si mesmo - ele o faz ainda, ele o faz cada vez mais. Meu pensamento é, como se vê: que a consciência não faz parte propriamente da existência individual do homem, mas antes daquilo que nele é natureza de comunidade e de rebanho. (NIETZSCHE, 2003a, p. 201)

No item que se refere à concretização receptiva, procuramos trabalhar a partir da visão do “observador do observador” na tentativa de estabelecer as diversas ligações entre a enunciação do ator e recepção pelo público em geral, pois:

É evidente desde já, que a enunciação (e por contragolpe o sentido dos enunciados) depende da maneira pela qual a cultura ambiente organiza e escuta e faz exprimirem-se os personagens (enquanto portadores da ficção) e atores (enquanto comediantes que pertencem a esta ou aquela tradição teatral). (PAVIS, 2008, p. 129)

Adotou-se, também, a verificação da encenação como o confronto entre a ficção do texto e a ficção do palco, com suas ligações entre o texto e o pronunciamento, a ausência e a presença, os gestos e os significantes, e principalmente a materialidade do espetáculo que remete à produção da presença, numa tendência atual do espetáculo, que se volta para as realidades materiais e concretas da cena.
A apresentação inicia-se numa completa escuridão e com um barulho ensurdecedor, um ruído excessivo que funciona como uma parede, como uma barreira para a visão e para a audição. Cessado o ruído, mas ainda mantida a escuridão, o ator fala da maravilha de ver todos na platéia, apresentando o jogo entre o mostrado e o escondido, o jogo da luz e escuridão. Um pouco adiante ele pergunta se a platéia precisa vê-lo para ouvi-lo, trazendo desde o primeiro momento a “produção da presença”, a necessidade da materialidade e energia do corpo.
Na seqüência acontece um grande flash de iluminação através da utilização de muitos pares de refletores, para então finalmente visualizarmos Thom, que aparece através de um pequeno foco com sombra, sem medição luminosa e dando uma firme impressão de vazio; a iluminação, assim como a sonoplastia − que após o ruído inicial silencia −, trabalha com a densidade dos signos, que contrapõe a superabundância ao vazio (LEHMANN, 2008, p.149).
A iluminação desvela um cenário bastante discreto, um grande espaço vazio, onde está localizado um quadro-negro no qual estão escritas algumas frases do próprio texto. Esse recurso, ao retro-alimentar os espectadores por meio da leitura desses fragmentos, parece sugerir a dificuldade em se livrar da linguagem solidamente pré-significada. Esse movimento circular de voltar o texto é condizente com a imagem do quadro-negro, que nos remete a imagens da infância, ao “eterno retorno” sempre presente no espetáculo.
O trabalho dramatúrgico é executado em uma pequena área central de um imenso palco italiano, delimitada por um foco de luz, que apresenta o formato de um anel, uma imagem que, como vimos no capitulo anterior, também pode ser interpretada, conforme Heidegger, como o símbolo do “eterno retorno”. Esse foco de luz inerte – apesar da intenção de Weber, numa perspectiva pós-dramática, de manter certa “proximidade” entre o espaço de sua performance e o público – acaba por demonstrar a limitação da liberdade do ser humano, a impossibilidade do livre arbítrio, ou ainda dentro de uma concepção existencialista, a completa solidão humana, ou seja, uma prisão que impede um sujeito, por mais que ele queira, de se aproximar realmente de outras pessoas.
O cenário, criado de uma forma simples e com poucos objetos (apenas fósforos, um relógio de pulso, um cigarro, um lenço, um envelope com uma carta, óculos e um copo d’água) segue o estilo “clean” da comédia stand-up, aproveitando a possibilidade trazida pelo teatro pós-dramático de não necessitar da criação de um ambiente adequado à ilusão, podendo atribuir o papel dominante ao performer.
Weber ao comentar sobre o figurino de Thom, diz que ele foi constituído de óculos enormes para o seu tamanho de rosto, um paletó tipo blazer e uma calça social, ambos com bastante folga, aparentando uma criança vestindo roupa de adulto, isto é, como se uma criança estivesse usando a roupa de seu pai. Porém, apesar dessa sugestão não ser facilmente assimilada pela platéia, o fato de o ator vestir um terno comum, remete imediatamente à idéia de um cidadão comum, ou como diz Thom: “Se vocês fossem como eu, e – sem ofensa, mas – vocês provavelmente são, [...]” (TP. P.7).

3.2.2 A performance do ator

A performance do ator no teatro pós-dramático está no centro de toda encenação, e principalmente no caso de um monólogo stand-up, chama todo o resto da representação para si. O ator é o elo vivo entre o texto do autor (diálogos ou indicações cênicas) e o espectador atento ao espetáculo; é o ponto de passagem de toda descrição do espetáculo. É através de sua atuação que obtemos elementos de como os objetivos e premissas colocadas pela produção foram – a partir de nossa observação – atingidas e como o ator em cena conseguiu transmitir essa série de orientações ou de impulsos para o sentido.
As observações efetuadas durante o espetáculo, tal como as reações do ator e do espectador no calor da hora, são de suma importância para que avaliemos a troca entre o performer e a platéia. Se não levarmos em conta essas manifestações durante o espetáculo, uma importante parte das impressões e, principalmente, as que dizem respeito à troca de “energia” perdem-se para sempre, ou acabam por serem racionalizadas. A análise do espetáculo que abordaremos:

[...] se distingue da reconstituição histórica: o analista assistiu à representação, obteve dela uma experiência viva e concreta, enquanto o historiador se esforça em reconstituir espetáculos a partir de documentos e testemunhos. O analista relata a um ouvinte ou leitor que também (na maioria das vezes, mas não necessariamente) viu o mesmo espetáculo. A análise só existe se o analista assistiu pessoalmente a representação “ao vivo”, em tempo e lugar reais, sem o filtro deformante de registros ou testemunhos. Nisso a análise se distingue da reconstituição de espetáculos do passado. (PAVIS, 2005, p. XIX).

A crítica dramática deve dar o testemunho da emergência dos significantes e de sua influência na formação do sentido, naquilo que tem de imediato e espontâneo, para que se conserve um vestígio precioso que logra restituir o espetáculo como metáfora da primeira impressão:

Todo espectador comentando um espetáculo faz uma análise, a partir do momento em que localiza, nomeia, privilegia e utiliza este ou aquele elemento, estabelece ligações entre eles, aprofunda um às custas do outro. Ao comentar verbalmente o espetáculo, o espectador não se vê obrigado a verbalizar o inefável, mas antes se esforça em encontrar pontos de referência. (PAVIS, 2005, p. 3)

A primeira percepção ao assistir o espetáculo em seu ritmo global traz à tona o fato de que o texto e a encenação não devem ser concebidos como uma relação causal, mas como dois conjuntos relativamente independentes e que nem sempre se encontram (PAVIS, 2005, p.18), o que pode ser observado na passagem a seguir:

Sintam-se à vontade para sentir qualquer coisa. Êxtase religioso, Anarquia, Coisas físicas estremecedoras, Nada, Sangue, Seu vizinho, Aquele estranho com quem você casou. Que possibilidades nós todos temos aqui, modos e meios de viver e morrer. Câncer, por exemplo, ou depressão. Intriga política, Ansiedade, Insegurança, Falhas no seu conhecimento, Manchas no seu pulmão, Esquecimento total. Mais? Crise financeira, Espaço sideral, Paz espiritual, Vergonha, Luxúria, Guerra, Eu, Ódio, Você, Ódio, Palavras, Amor, Nada, Mais, Enxaqueca, Você, Deus. As coisas que vocês podem estar sentido. A lista continua. Aí a lista acaba. (TP, p. 6)

Enquanto a leitura do texto imprime um ritmo acelerado, que é em grande parte determinado pela sua construção textual elaborada através da associação livre ─ o que gera grandes seqüências gramaticais ─ a encenação de Thom Pain se fundamenta principalmente na cela/foco de luz, incapacitando o ator de se mover, o que acarreta uma encenação minimalista, sem grandes mudanças em seus gestos e semblante, poucas locomoções e poucos movimentos, tornando o ritmo mais lento. O processo de significação através de uma atuação minimalista faz com que o corpo do ator dilate a sua presença e a percepção do espectador. Um corpo, apesar de aparentemente centrado e controlado, necessita de ritmo lento para evitar um colapso (PAVIS, 2005, p. 59-60).
A lentidão e a insegurança que o ator – uma figura já conhecida pelo grande público pelo seu trabalho num importante canal de televisão – demonstra, ocasiona certo estranhamento, contribuindo para a produção de sua presença, tanto no aspecto físico como no aspecto psíquico, diante de uma platéia que é arrebatada pela surpresa. Essa presença ainda traz o seu indício no modo mais “material” de acender um fósforo em meio à escuridão inicial, na possibilidade da falha, que é sobretudo humana: “Um fósforo é aceso, para acender um cigarro. Ele é apagado, acidentalmente, sem o cigarro ter sido aceso. Que maravilha ver todos vocês. Um segundo fósforo, a mesma coisa” (TP, p. 3).

O primeiro “trabalho” do ator, que não é trabalho propriamente dito, é o de estar presente, de se situar aqui e agora para o público, como um ser transmitido ao vivo, sem intermediário. [...] É uma marca do ator de teatro que eu o perceba “de cara” como materialidade presente, como “objeto” real pertencente ao mundo externo [...]. (PAVIS, 2005, p. 52-53)

A presença pode ainda ser analisada segundo a perspectiva que o ator, durante o seu trabalho interno na construção da personagem, provocou em si mesmo, segundo o desejo de agir de uma determinada maneira, um desejo (consciente ou inconsciente) que irá se transformar em grande parte da sua ação dramática, traduzida em ações físicas, posturas em movimento, moções físicas e mentais que o motivam na dinâmica de seu jogo.
O momento em que o ator define o termo “medo” através de um dicionário, mencionando que o item quatro da definição se refere à definição dada no item três, traz uma nova referência ao conceito do eterno retorno e apresenta o caráter stand-up da personagem, que começa a se tornar dominante. A posição de seu corpo totalmente vertical e de frente para o público, tendo atrás de si somente o quadro-negro, olhando para a platéia com um olhar bastante sério por detrás das lentes dos óculos, acaba por lhe impingir um aspecto professoral.
Essa imagem vai se diluindo aos poucos até o momento da saída de um espectador da platéia, quando Thom assume definitivamente a característica do comediante stand-up, ao interromper a sua fala, acompanhar meio indignado a saída, e dizer um simples “Tchau”. “Au revoir, seu babaca. Desculpem a linguagem” (TP, p. 5). A utilização de uma situação “real” é uma das diversas características das piadas contadas pelos comediantes stand-up. A comédia stand-up não requer um roteiro, as piadas têm que ser tão curtas quanto a ingenuidade permite e necessitam ser sobretudo piadas (LIMON, 2000, p. 13).
John Limon (2000, p. 4), em seu livro Stand up Comedy in Theory, or, Abjection in America, lembra ainda que o aspecto da abjeção é a principal característica do stand-up, oferecendo como exemplo a piada que o comediante Lenny Bruce costuma contar para o público americano: “Eu vou fazer algo que nunca foi feito antes numa boate – Eu vou mijar em vocês” (BRUCE citado em LIMON, 2000, p. 15) que provoca dezessete segundos de uma estrondosa gargalhada da platéia e surpreende, ao verificar como essa ameaça infantil pode ser tão falicamente agressiva e abjeta.
Para Julia Kristeva, o presente tecnológico dos simulacros em cadeia constitui a dinâmica da abjeção, na medida em que suas imagens eletrônico-midiáticas desintegram o mundo num caótico fluxo de formas e aparências. Não se trata somente de repulsão física pela falta de limpeza ou saúde e sim o que perturba a identidade, o sistema, a ordem. O abjeto é aquilo que não respeita fronteiras, posições, regras, e se apresenta como o meio-termo, o ambíguo, o compósito, numa espécie de interface que simultaneamente fascina e repele, incomoda e alivia; ou seja, “abjeção é, sobretudo, ambigüidade” (1985, p. 4).
Uma das peculiaridades do abjeto é que, ao confrontá-lo, o indivíduo sente-se tanto atraído como repelido por ele, como uma pessoa na presença de um cadáver, a pessoa quer ir embora, mas algo mais forte que ela parece impulsioná-la para ficar, ou seja, enquanto uma parte dela recusava-se a confrontar a realidade, outra a pressionava nessa direção.

3.2.3 A produção da presença dos objetos

Alguns signos, que quase não percebemos durante a análise textual, a partir de suas colocações em cena, adquiriram novas colorações e saltaram aos nossos olhos como “punctuns”. Porém, não como algo definitivo e indiscutível, e sim com outra significação, devido ao sentido de produção da sua presença, no aspecto de como trazer diante de nós um objeto num determinado espaço. Nesse sentido, não apenas a presença humana altera os mecanismos de percepção, mas também os objetos cuja existência está relacionada com todos os processos que a presença destes acarreta no corpo humano (GUMBRECHT, p. 17).
Os objetos na presença do homem passam a ser chamados de instrumentos, pois o homem como um “ser-no-mundo” não aparece isolado, ele surge já na lida com os objetos numa relação de familiaridade. “Eu habito, eu estou familiarizado, estou em casa no mundo, não há distância entre eu e o mundo, ter já sempre familiaridade com uma totalidade de significados” (VATTIMO, s/d, p. 32).
O termo instrumento, no entanto, não adquire o caráter simples de uma ferramenta; não existe isoladamente, pois cada instrumento se encontra dentro de uma rede de significados, onde cada um faz referência a todos os outros. Eles “aparecem” durante o seu uso cotidiano, não como objetos do conhecimento, mas sim como uma serventia; nós os descobrimos lidando com eles. No uso de uma caneta, por exemplo, para escrever com ela é preciso tinta, papel, mesa e cadeira, encadeados no serviço de escrever, com cada elemento se remetendo a todos os outros, e todos em conjunto formando um complexo referencial (HEIDEGGER, 2001, p. 109).
Esse lidar com os instrumentos pressupõe uma compreensão de todo o instrumental através de uma estrutura hermenêutica, que circula incessantemente entre o elemento e o todo, numa trama que não vemos pelos olhos, mas sim pela circunvisão. Essa é a forma como apreendemos o prático, o cotidiano, sem a necessidade de abstrairmos as coisas, de classificá-las em categorias e gêneros, pois, segundo Platão: “Podemos reconhecer o verdadeiro quando o encontramos, porque de uma maneira já o conhecemos” (citado em HEIDEGGER, 2001, p. 111). Isso significa que os objetos, dentro do conceito da instrumentalidade, adquirem uma concretude maior, passando a ter um forte impacto sobre o corpo e os sentidos, que supera a simples atribuição de um significado metafísico.
O quadro-negro, o relógio, o copo d’água, entre outros, podem ser analisados no espetáculo Thom Pain não apenas como objetos cênicos, mas também como elementos de forte presença, a partir do conceito de instrumentalidade heiddegeriana que, como vimos, não concebe diferença entre sujeito e objeto, uma vez que ambos estão “contidos” no mundo.
A “presença” do quadro-negro não se dá tanto pelo signo que o liga imediatamente ao ensino, e sim como parte de um sistema maior de significação. O que para o público pode ser somente o conteúdo de uma aula anterior, que ainda não foi apagado, é um imenso complexo referencial constituído de uma temporalidade explícita: alguém escreveu no quadro, alguém deve ter lido o que foi escrito, alguém apagou o quadro, restando uma série de fragmentos de frases escritas. Esses signos aparentemente apartados do conceito da instrumentalidade são apenas signos e, sozinhos, não podem dar margem a qualquer significação, ou seja, para que letras escritas adquiram algum significado é necessário que exista algo mais que rabiscos numa lousa, é necessário todo um contexto cultural, político e social, ou como adverte Laurence Sterne:

Qual é o milagre cartesiano que pode fazer com que as letras escritas sobre folhas brancas convertam-se em portadoras de significado, como passar do livro ao texto, sem esperar que a materialidade da língua e o artifício dos recursos estéticos não afetem a efetiva presença do autor perante os seus leitores? (EAGLETON, 1998, p. 40)

O relógio é outro objeto que aparece como um signo disperso de tempo – “Ele olha para o relógio no pulso” –, mas que, na verdade, é um imenso complexo referencial, pois se liga imediatamente ao menino que cresceu – “Bem, a vida para o pequeno garoto, agora um pequeno homem, acelerou e acelerou (TP, p. 14)” – e que, durante o crescimento, perdeu o controle do tempo que acelerou, gerando um sentimento de perda que pode ser associado ao luto: “O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante [...] (FREUD, 1996, p. 249).
Freud esclarece ainda que o luto, por mais intenso que seja, é uma condição normal da vida, assim não é algo patológico e não deve ser submetido a um tratamento médico, pois deve ser superado com o tempo. Acontece, no entanto, que, algumas vezes, o sujeito não tem consciência de qual foi a sua perda; mesmo que conscientemente saiba o que perdeu, inconscientemente essa perda adquire outro caráter, impossível de ser apreendido, estabelecendo-se assim uma patologia de melancolia. O melancólico perdeu um objeto e, junto com ele, perdeu parte de seu narcisismo. Ele se sente empobrecido, pois parte do seu ego foi perdida. É exatamente esse fator que determina o rebaixamento da auto-estima no melancólico.

No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego. O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível, ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. [...] Não acha que uma mudança se tenha processado nele, mas estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor. (FREUD, 2006, p. 251-252)

O palito de fósforo que insiste em não acender talvez seja o principal exemplo da “produção da presença”, uma vez que o fósforo, se aceso, traria o fogo, que possui uma forte ligação com a luz, e, por conseguinte, com Apolo, Deus do Sol. A presença do brilho do sol aparece como a condição de possibilidade do pleno acontecimento da visão, tornando possível o desvelamento dos objetos da natureza (PLATÃO, 1999, p. 218-222). A falta do fogo traz consigo a escuridão e a impossibilidade de ver as coisas claramente, o que anuncia desde o início, a dificuldade de Thom em observar a realidade.

3.2.4 Concretização receptiva

Apesar de boa parte da análise da recepção já ter sido elaborada nos três itens anteriores, nessa seção o enfoque é dado ao relato de alguns aspectos como o ritmo e a reação da platéia durante o espetáculo Thom Pain, numa perspectiva de uma comédia stand-up, ou seja, colocar-se como um observador do observador e verificar as suas reações (riso) às piadas, usando como referência o fato que uma piada só é boa na proporção das gargalhadas.
Nessa parte da análise buscamos anotar as reações do espectador durante a apresentação analisada, no que diz respeito: (i) às suas expectativas com relação ao espetáculo, (ii) aos pressupostos necessários para apreciar o espetáculo, (iii) à sua reação como parte do público, (iv) ao papel do espectador na produção do sentido, e (v) à sua atenção durante a encenação, pois senão:

Uma parte importante das impressões “quentes” dessa análise-reportagem perde-se para sempre, ou pelo menos fica soterrada sob as lembranças e racionalizações a posteriori das emoções passadas. Um dos deveres da análise é dar testemunho da emergência delas e de sua influência na formação do sentido (e dos sentidos). A crítica dramática, naquilo que tem de imediato e espontâneo, conserva às vezes um vestígio precioso delas, quando sua escrita logra restituir o espetáculo como metáfora da primeira impressão. (PAVIS, 2003, p. 6)

As expectativas em relação ao espetáculo eram bastante grandes, dado que os ingressos para a peça se esgotaram logo nos primeiros dias de venda. As pessoas que formariam a platéia, numa primeira impressão, poderiam ser divididas em dois grandes grupos: um deles, talvez o maior, formado possivelmente por pessoas que vão pouco ao teatro, às vezes só na época do festival, e por alguns que se mobilizaram talvez pelo desejo de ver pessoalmente Guilherme Weber, que acabara de fazer uma novela na televisão; o outro certamente constituído de pessoas interessadas, conhecedoras e freqüentadoras dos espetáculos teatrais, que iriam assistir à peça mais pela importância da Sutil Companhia de Teatro no cenário dramatúrgico brasileiro que pela peça em si, uma vez que o autor Will Eno é pouco conhecido no país. Essa avaliação encontra eco em Guilherme Weber, para quem:

o público de festival reúne dois grupos muito específicos, o grupo de iniciados e o grupo de pessoas que só vão ao teatro uma vez por ano, no festival, e pessoas que provavelmente foram me assistir por que eu tinha acabado de fazer uma novela. (GW)

Sendo assim, uma boa parte do público, aquela que está acostumada com as novelas, com as cenas e os diálogos cotidianos, aparentemente não parecia possuir o background necessário para o bom aproveitamento da peça. Outro fator importante é que havia a necessidade de que o público assistente possuísse uma intimidade com a comédia stand-up e com a cultura estadunidense, o que acabou por comprometer de uma maneira geral o entendimento da peça, uma vez que a característica de uma comédia stand-up é a provocação para que as pessoas riam principalmente através do caráter abjeto que é dado a partir de uma determinada cultura.
Portanto, o espetáculo Thom Pain, seja pelo fato da predominância do público de novela, seja pela diferença cultural, acabou por adquirir um ritmo “morno”, sendo que as primeiras risadas, bastante esparsas e individualizadas, acontecem somente quando o ator, ao ler os vários significados do verbete “medo” para a platéia, chega ao item quatro, que diz: “Ver três”. O que ocorre é que alguns itens anteriores já traziam marcas, que pelo fato de serem absurdas, convidavam ao riso, como acontece no item dois: “A capital de Lower Meersham, no canto norte central sudeste com população de oito milhões e uma pessoas aproximadamente” (TP, p. 3).
Depois, obtém novamente algumas poucas risadas quando pergunta se precisam vê-lo para ouvi-lo, sem conseguir nenhuma resposta do público, quando afirma que ainda ouve algumas risadas: “Eu vou esperar o fim das risadas. Pausa. Eu ainda estou percebendo algumas risadas” (TP, p. 3).
O espetáculo continua em seu ritmo lento até o momento em que um ator, fazendo o papel de um espectador, que está sentado na segunda fila da platéia vai embora. Thom ao notar o pseudo-espectador levantar para sair, interrompe a enunciação do texto e como se fosse uma fala espontânea diz: “Tchau”, para em seguida complementar com um “Au revoir, seu babaca. Desculpem o meu francês” (TP, p. 5), conseguindo assim, pela primeira vez, uma maior reação da platéia que ri bastante do episódio, e chega até a esboçar alguns aplausos. A saída de um espectador no meio de um espetáculo é sempre algo que cria um sentimento um tanto abjeto, uma crítica acintosa em relação ao espetáculo como um todo. A platéia se coloca na posição daquela pessoa e sente a vergonha que está sente ao ser advertida pelo ator (situado numa posição privilegiada) e ao ser chamada de “babaca” na frente de todo mundo.
Thom continua: “Sabe, talvez tivesse sido melhor para vocês se vocês tivessem seguido seus corações e ido embora, como nosso amigo [...] Não imaginem um elefante cor-de-rosa” (TP, p. 5). O alerta para que o público não imaginasse um elefante cor-de-rosa não surtiu um efeito cômico, sendo que uma das hipóteses é o fato da não-popularidade de uma seqüência – muito conhecida na cultura-origem – do desenho animado Dumbo, dos estúdios Disney, quando após ficarem acidentalmente bêbados, Dumbo e o ratinho Timothy começam a ter alucinações com elefantes cor-de-rosa cantando, dançando e tocando trombetas. A trilha sonora dessa seqüência foi cooptada pela cultura pop americana numa clara alusão ao incentivo do uso de drogas.
Esse episódio mostra a importância do contexto cultural na comédia stand-up, pois o fato de o público não possuir o conhecimento de alguns elementos da cultura-origem e não pactuar com os mesmos signos e significantes dela, pode levar a uma total incompreensão e, portanto, à ineficiência da piada. Nesse sentido, é exemplar a experiência que Lenny Bruce teve na Austrália com a sua piada “urinária”: o comediante, durante um show no continente australiano, fez a piada “Eu vou mijar em vocês”, obtendo, diferentemente da platéia americana, uma recepção arrefecida, murcha e com algumas poucas risadinhas masoquistas. A maioria dos espectadores achou que Lenny estava perturbado, ou seja, a platéia não pôde perceber uma ameaça como uma piada, pois esse sentido, numa boate australiana era uma novidade, diferentemente da América, onde “urinar” é um ritual que Bruce está cansado de celebrar. “Por isso a piada na Austrália foi tão pobre, urinar numa platéia não é uma “surpresa” para eles, mas “realmente” uma surpresa” (LIMON, 2000, p. 15-16).
A experiência vivenciada por Bruce na Austrália é um claro exemplo de que uma piada só pode ser engraçada como uma revelação do que a platéia secretamente deseja, e não existe evidência de que a platéia australiana secretamente desejasse compartilhar o elemento abjeto (a urina) de Bruce:

Nas platéias americanas, a piada era seguida de dezessete segundos de gargalhadas unânimes, com algumas pessoas adicionando aplausos às suas gargalhadas como se não fosse possível gargalhar suficientemente profundo. Somente na América a piada era uma “piada”. (LIMON, 2000, p. 16).

O espetáculo continua se desenvolvendo sem nenhuma risada na platéia, apesar de existirem claros indícios de comicidade em passagens com caráter abjeto, tais como: “O quão dolorosamente vocês se machucaram, [...] essa pequenina coisinha machucável, [...] Desprezo e abuso, ah, que paraíso” (TP, p. 5), e: “O garoto cheirava a cachorro molhado morto. Suas pernas tremiam e ele molhou a cama” (TP, p. 6); através do caráter absurdo: “As pessoas me perguntam sobre o nome. “Thom Pain”. Eu não respondo. Ou eu digo, “Está na família há um tempo.” Ou eu digo, “Childe Harold”, sem razão nenhuma” (TP, p. 6); ainda através da repetição do absurdo: “Agora, pensem num elefante cor-de-rosa. Agora, chega” (TP, p. 6).
A platéia brasileira de Thom Pain continua se comportando de uma maneira bastante “fria”, que pode ser percebida pela pouca quantidade de pessoas rindo, risadas que são quase sempre nervosas e silenciosas até o momento em que Thom se dirige a uma mulher na platéia e consegue arrancar algumas risadas da platéia:

Menos você. Você é diferente. Você é adorável. Eu realmente adoro a sua diferença, é tão maravilhosa e adorável e diferente. De onde você é, eu me pergunto, ou, você se perguntou, cerca de dois segundos atrás. Mas agora isso passou, nós acabamos. Perdão. Tudo acabado entre nós. Eu vejo você por aí. Você pode jogar minhas coisas fora. Eu trocaria as fechaduras, se eu fosse você. Agora tchau. (TP, p. 7)

O fato de Thom ter conseguido uma resposta efetiva através de um riso mais geral e descontraído por parte da platéia pode ter explicação no fato de o ator ter criado o mesmo clima de embaraço para a espectadora – o que já havia ocorrido na saída do homem da segunda fila –, conjugado ao non sense de Thom, de, após ter acabado de se dirigir para a pessoa, declarar que estava tudo acabado entre eles.
A partir desse episódio, o público, apesar de ainda não estar totalmente à vontade, passa a achar engraçadas certas situações, como por exemplo: quando Thom, através de uma ironia, diz que o inglês é o idioma internacional do amor; quando, de uma forma abjeta, fala da compatibilidade entre os seus órgãos genitais e os de sua namorada; ou ainda quando traz o absurdo da fala da namorada: “Você mudou, ela me disse, na noite que nós nos conhecemos” (TP, p. 8).
O caráter abjeto começa a se tornar dominante à medida que a personagem vai relatando as “qualidades” da sua companheira:

Deixe eu me prolongar sobre a minha mulher um pouco mais. Ela ainda tinha suas amídalas, seu apêndice, seus dentes sisos, todos os extras supérfluos. [...] Eu a amava tanto. Ela tinha tudo. Ela tinha pulgas, que eu acho que eu passei para ela, e sinais e marcas de nascença, que ela conseguiu por conta própria. (TP, p. 9).

Sem, no entanto, conseguir os “dezessete segundos de estrondosa gargalhada”, o espetáculo vai se arrastando com diversas pessoas deixando a platéia, provavelmente o público das novelas, ou seja, pessoas que esperavam uma “representação” do ator, e não simplesmente uma performance, pois segundo Pavis:

A percepção estética do espectador é a forma como ele reage fisicamente à partitura e ao que ela implica como subpartitura e estar no mundo para o ator. Ao avaliar corporalmente a subpartitura do ator, ao tocá-lo com os olhos por não poder tocar com as mãos, ao modelar seu esquema corporal por cima do dele, o espectador reaprende a ver, questiona o modelo de corporeidade: visão clássica panótica ou fragmentação, movimento contínuo da visão ou staccato do olhar, truques de vídeo que provocam as sensações do observador (PAVIS, 2003, p. 95).

Porém, não podemos deixar de avaliar a possibilidade de que parte do público, ao se retirar do espetáculo, talvez esteja sendo induzida a essa ação pelo convite explícito de Thom que, ao verificar a pessoa da segunda fileira saindo, fala que eles deveriam fazer o mesmo, deveriam seguir seus corações e irem embora. Parece que Eno, ao criar uma pessoa saindo da platéia, oferece a possibilidade para que todas as outras também saiam. Nesse sentido, é importante salientar a opinião de Weber que, da sua privilegiada posição do palco, vê seu público se retirando:

É incrível, é realmente doloroso. Fascinante e ao mesmo tempo doloroso, você ver um monte de gente indo embora, tanto que uma mulher caiu na escada, levantou-se e foi embora. Na estréia, em Porto Alegre, eu comecei a brincar com essa coisa das pessoas irem embora. Existe uma reação com a primeira pessoa que vai embora, que está no texto: “Vai seu babaca. Au revoir, não sei o quê”. Mas quando a segunda pessoa foi embora, eu parei, acompanhei ela ir embora, e eu achei que aquilo tava legal, (...) depois eu percebi o erro que eu fiz. Eu comecei a julgar, eu comecei a ironizar a saída das pessoas, e na verdade é pra que as pessoas saiam mesmo. Então, depois da primeira saída, eu abri a porteira pra aquilo, é pra sair mesmo, e eu não tô nem aí, por que isso também é falência de linguagem. (GW)

O espetáculo vai se desmanchando em seu aspecto comédia, ficando por mais de dez minutos sem nenhuma risada, até que, novamente através da forma abjeta, algumas pessoas voltam a dar risadas da forma como Thom compara o cérebro com um simples catarro:

Depois empilhe as palavras em cima. E assista enquanto elas escorrem para baixo. Pense nisso. O cérebro e a mente. Tudo isso lá em cima, Casado, felizmente ou não. Imagine.
Pausa.
Ou pense apenas no catarro. Imagine que isso é um lenço. E que eu acabei de assuar meu nariz nele. (TP, p. 12)

Finalmente, ainda distante do final da peça, acontece um novo momento onde o riso predomina ─ quando Thom procura um voluntário na platéia:

Não levantem os braços gritando “Eu, Eu,”, ainda que, com certeza, eu entendo a sua razão. Eu vou escolher alguém. Nós sabemos quem você é. Seria bom se a pessoa estivesse usando roupas claras. Se ele ou ela falasse um segundo idioma e gostasse de um pouco de violência, seria ótimo. Bom, vejamos. (TP, p. 13)











3.3 O TEATRO ENERGÉTICO

Partindo da perspectiva de que “a subjetividade que foi eliminada pela semiótica deve ser levada em conta, pois o olhar do analista é de certa forma, como a filmadora, e deveria acompanhar o ator na dança do pensamento-em-ação” (BARBA citado em PAVIS, 1999, p. 17), outra perspectiva na análise do espetáculo Thom Pain encontra-se naquilo que podemos chamar de “Não-Representável”, o que no evento cênico nem sempre é facilmente descritível, uma vez que nele os sinais da atuação são muitas vezes ínfimos, quase que imperceptíveis e sempre ambíguos, ou até mesmo ilegíveis. A entonação, o olhar, os gestos mais contidos que manifestos constituem momentos fugazes nos quais o sentido é sugerido, ficando, entretanto, dificilmente legível e pouco identificável.
A performance de Weber é percebida, num primeiro momento, como quase que totalmente desprovida de gestos – apesar do gesto constituir um dos meios mais ricos e flexíveis de expressar os pensamentos –, como se o gestual já não tivesse condições de dizer mais nada; porém, aos poucos percebe-se que existe toda uma gestualidade própria que acontece num movimento interno, uma gestualidade que se apresenta num corpo silencioso:

Foi o espetáculo em que eu mais me cansei e mais suei em toda a minha vida. Assim que eu termino a apresentação de Thom Pain, eu tenho que tomar um relaxante muscular, pois eu fico sem me mexer e segurando aquele dicionário com todo aquele universo acontecendo ao redor de mim. É de um cansaço que faz com que a minha camisa pingue de suor e dá até pra torcer. A camisa que eu uso um dia não dá para usar no dia seguinte. Foi realmente a experiência mais radical da minha carreira. (GW)

A ausência de gestos expressivos deve ainda ser compreendida dentro de um conceito do minimalismo, em que o visível é reduzido ao mínimo, à unidade elementar do aqui e agora; a marca do que se poderia chamar pessoal do artista é bastante limitada. Didi-Huberman frisa que o projeto dos artistas do minimalismo era explicitamente inviabilizar qualquer jogo plástico ilusório e coibir qualquer latência “conteudista” da obra (DIDI-HUBERMANN citado em PUGLIESE, 2004, s/p).
Para trabalhar essa “não-representação” e o minimalismo do espetáculo, podemos recorrer ao conceito de teatro energético de Lyotard, um teatro que vai além do drama e que não se baseia em significados, mas sim em forças, intensidades, afetos em sua presença. “O teatro energético deve estar além da representação – o que por certo não significa simplesmente desprovido de representação, mas não dominado por sua lógica” (LYOTARD citado em LEHMANN, 2008, p. 58).
Dessa forma, o teatro energético de Lyotard se apresenta na perspectiva de se analisar a “não-representação” do ator, dentro de um teatro ligado à existência humana como uma questão e um problema que é decomposto em uma energia pós-dramática, no sentido de um teatro “energético” ao invés de representacional (LYOTARD citado em LEHMANN, 2008, p. 129).
Esse teatro está baseado no pensamento filosófico da desconstrução, que foi desenvolvido, entre outros, por Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Michel Serres, Jean-Luc Nancy, e o próprio François Lyotard. Está calcado no “anti-racionalismo” de Nietzsche, para quem a racionalidade advinda da linguagem era uma armadilha para o pensamento filosófico: “A razão na linguagem: que enganadora personagem feminina (verführen - seduzir)! Temo que não nos desembaçaremos de Deus porque ainda cremos na gramática” (NIETZSCHE, 2003, p. 60).
A forma de romper essa consciência “gramatical’, configurada principalmente pelo elemento apolíneo, estava ainda, segundo Nietzsche, no re-despertar da consideração trágica através do impulso dionisíaco. Essa relação apolíneo-dionisíaca em relação à linguagem aparece claramente em Derrida, para quem:

“É preciso, portanto, tentar nos libertar desta linguagem. Não tentar libertarmo-nos dela, pois é impossível sem esquecer a nossa história. Não libertarmo-nos dela, o que não teria sentido e nos privaria da luz do sentido. [...] Seria preciso concluir mas o debate é interminável. A diferença entre Dionísio e Apolo, entre o impulso e a estrutura, não se apaga na historia pois não está na história (DERRIDA, 2002, p. 49-50).

Derrida coloca a diferença entre Apolo e Dionísio na abertura do sentido da história, porque o fenômeno configurador da realidade – conforme Nietzsche em O nascimento da tragédia (2003) – é sempre condicionado pela forma e pela energia. Acabar com a verdade prévia do significado é a tarefa da desconstrução. Nesse sentido, Lyotard sugere uma forma onde o teatro dramático ligado à autonomia humana como questão e problema é decomposto em uma energética pós-dramática (um teatro “energético” ao invés de representacional) que:

Integra a figura humana em pé de igualdade com coisas, animais e linhas de energia, diferente do homem dominador da natureza, sendo que o modo da relação da representação com o espectador, a ambientação temporal e espacial, o lugar e a função do processo que constituem o texto da performance vão sobredeterminar o significado e o status de cada elemento. [...] Uma textura não se compõe como um muro e sim como um tecido, onde a presença predomina sobre a representação, numa experiência muito mais partilhada do que comunicada, mais processo que resultado, mais manifestação que significação, mais impulso de energia do que informação. (LEHMANN, 2008, p. 135-142)

A falta da gestualidade também pode ser analisada como um caminho para se evitar o caráter dramático, pois Weber faz um discurso de uma pessoa real, dirigido diretamente ao público, de modo que a expressividade de seu discurso se revela mais como dimensão “emotiva” da sua alocução que como expressão da emoção da personagem representada por ele. O ator, ao privilegiar a situação e a não-ficção, não acrescenta meramente uma realidade artificial da ficção dramática, mas se torna uma matriz, em cujas linhas de energia se inscrevem os elementos das ficções cênicas.
O ator mostra que está atento a uma nova forma de “jogar” o jogo teatral, com a personagem executando simplesmente a relação de mediação no jogo entre o ator e a platéia. A ilusão não é mais o objeto dramático e o mais importante agora é a atuação concreta e prática através de movimentos, voz, comportamento, membros, pele, olhar, numa exibição que transborda presença e energia. Os jogadores buscam obter uma verdade colada à vida, uma verdade que é cenicamente mais viva e com testemunhos do que é propriamente vivo na vida. Hoje, o sentido do jogo é o próprio jogo, um sentido imanente que dispensa por default a exterioridade, é o estar-aí, aí-diante do ator em sua prática.
A “não-representação” de Weber também aparece através de sua alocução que, já no começo, declara-se prioritária à imagem: Vocês precisam ver para me ouvir? (TP, p. 3). Uma voz, que parece se manifestar pelo seu corpo inteiro:

Se tradicionalmente a voz era definida como o instrumento mais importante da atuação, agora se trata de converter o corpo inteiro em voz. O escândalo do corpo falante é a dissolução dos limites do corpo. O volume do corpo exalante se expande para além dos limites de sua circunscrição sonora. O que tem início com o inspirar e expirar — o fato de que o corpo se torna vibração e instrumento sonoro — prossegue com a voz. O som cria em torno do corpo uma esfera liminar, uma paisagem fonética: ainda corpo, já espaço do campo cênico, recoberto e novamente abandonado pelas ondas de som e energia. (LEHMANN, 2008, p. 258)

Ou ainda:

Não é a identidade plausível de um representado que vai auferir legitimidade ao jogo, e sim o “fazer-se ouvir” poético das palavras do texto. As personagens são vistas porque são ouvidas e não vice-versa. (GUÉNOUN, 2004, p. 134).

Porém, além da sua alocução, o protagonista de Thom Pain busca uma verdade através de sua colocação física, da energia de uma interioridade que deve ser conquistada diante do olhar do público. Busca a mudança de um modo de atuar dramático e ilusório para uma apresentação seca que cria reações muito significativas, porém pouco observáveis. Sua performance exige que ele se remeta a sua própria existência e se ofereça ao olhar da platéia que entremeia e afeta toda a cena, com sua enunciação sendo feita por todos os poros.

O corpo vivo é uma complexa rede de pulsões, intensidades, pontos de energia e fluxos, na qual processos sensório-motores coexistem com lembranças corporais acumuladas, codificações e choques numa ampla diversidade (trabalho, prazer, esporte, etc.). O corpo teatral não se satisfaz com isto, ele é sui generis, enquanto no drama ele era uma abstração e concentrado em conflitos espirituais (sexualidade como amor, degeneração como morte, etc.), ele vai passar para a atração, e por fim a realidade determinante [...]. Da abstração para a atração, com a corporidade teatral contrapondo-se à separação entre o corpo do desejo e do erotismo. (LEHMANN, 2008, p. 232)

A produção e o ator convidam para esse jogo, mas o público deve estar preparado para não se defrontar com a ilusão de personagens e situações − função que hoje o cinema e a televisão executam com maestria − e sim para desfrutar o jogo dos atores que ali se apresentam (GUÉNOUN, 2004, p. 137-141). Dessa forma, esse novo teatro depende da formação de um público que consiga perceber que:

Com o sumiço das figuras, resta o jogo. Se o teatro não seduz mais por seus fantasmas, se exige atores. Não ficções servidas pelos autores, mas atores induzindo (se necessário) ficções. A diferença é grande. O que o olhar perscruta, hoje, em cena, não é mais a imagem do papel: é o modo como o ator se comporta. Poderíamos dizer que o olhar está desencantado, despossuído de suas quimeras ou alienações figurais, (...) Ora, este apagamento traz novas delícias: a vista se engaja em outras valências do prazer. Prazer de ver o ator fazer o que ele faz: maquinar ilusões, (...) viver em cena, segundo uma nova precisão, um novo regime da verdade. A verdade que o espectador persegue não é mais a verdade do papel, mas a verdade do jogo. E é esta verdade que provoca nele simpatia, empatia, compaixão. (GUÉNOUN, 2004, p.143)

Weber busca incessantemente o jogo com a platéia, põe toda a sua energia através do fraseado, da respiração, da exibição dos recursos físicos de uma língua, da impostação poética do discurso, dos rigores e liberdades prosódicas; na constância na altura, na intensidade, no tom, na duração e ritmo da fala, no minimalismo, no não-movimento. Tudo numa lógica performática em que ele não é mais o fiador obrigatório da precisão, nem da exatidão, é simplesmente a realidade angustiante da “cadeira derrubada” assistida por Will Eno.
Thom ainda se apresenta através de sua corporeidade, nos pequenos gestos, na intensidade de sua “presença” aurática e em suas tensões internas, que pouco se pode apreender do lado de fora. A presença e a irradiação do corpo se tornam determinantes, e ele se torna plural em sua própria significação, o que para nós é irremediavelmente enigmático.
Dessa forma, quando Weber pede que alguém da platéia suba ao palco, pede a partir de um desejo, de uma energia, que longe de ser um blefe, é o que realmente deseja: “Eu espero que alguém suba e eu começo chamar de verdade. Ninguém poxa. Será que ninguém está pronto pra vir aqui? Será que ninguém tem coragem? E é isso, eu acho que um dia vai aparecer uma pessoa que vai subir” (GW).
O corpo de Weber trabalha como um tema único, um corpo com gestos destituídos de sentido que se revelam como o mais extremo fardo do corpo, com uma significação que diz respeito a toda existência social. As suas imagens se recusam a uma simples interpretação moral ou política. Elas perturbam mais profundamente e exigem reflexão: como memória do corpo que se alia a uma investida contra o aparelho sensorial do espectador. No teatro pós-dramático, o corpo físico é uma realidade autônoma: não “narra” mediante gestos esta ou aquela emoção, mas se manifesta com sua presença como um lugar em que se inscreve a história coletiva (LEHMANN, 2008, p.158-160).
Enfim, a encenação, longe dos melodramas heróicos, tem que se basear na própria experiência da vida de Weber, numa perspectiva estética em que a dor e o riso surgem como a possibilidade de reverter perspectivas dramatúrgicas fossilizadas, excessivamente sérias, baseadas em grandes sistemas metafísicos e dogmáticos. Para Nietzsche, o pensamento só pode ser considerado genuíno quando traz consigo o riso:

‘Sobre a minha porta’:
Moro em minha própria casa,
Nada imitei de ninguém
E ainda ri de todo mestre,
Que não riu de si também. (NIETZSCHE, 1999, p. 171)


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise de um espetáculo pós-dramático não pode ser efetuada a partir de uma metanarrativa, pois, segundo Lyotard (1988, p. XI), existe uma impossibilidade de submeter todos os discursos (ou jogos de linguagem) à autoridade de um metadiscurso que se pretende a síntese do significante, do significado e da própria significação, isto é, universal e consistente.

[...] O vínculo social é a linguagem, mas ele não é constituído de uma só fibra, é uma tessitura onde se cruzam pelo menos dois tipos, na realidade um número indeterminado, de jogos de linguagem que obedecem a regras diferentes. ‘Nossa linguagem pode ser considerada como uma velha cidade: uma rede de ruelas e praças, de casas novas e velhas, e de casas dimensionadas às novas épocas; e tudo isto cercado por uma quantidade de novos subúrbios com ruas retas e regulares e com casas uniformes’. A unitotalidade ou a síntese sob a autoridade de um metadiscurso do saber é inaplicável, ele pergunta: ‘A partir de quantas casas e ruas uma cidade começa a ser uma cidade?’ Ninguém fala todas as línguas, elas não possuem uma metalinguagem universal. (WITTGENSTEIN citado em LYOTARD, 1988, p. 75)

Nesse sentido, o espetáculo foi analisado a partir do texto, da encenação, da recepção e da entrevista, onde identificamos os elementos que remetem dentro de uma abordagem multidisciplinar, para o contexto de teorias advindas da dramaturgia, filosofia, antropologia e até mesmo da psicanálise. Esses elementos textuais (latentes ou presentes) no texto dramático permitiram analisar a peça por diversas perspectivas e ilustrar as diversas posições teóricas.
A necessidade de compreender toda uma nova gama de conceitos dramatúrgicos no panorama atual da teoria do conhecimento, que nega as metanarrativas, e que na teoria dramatúrgica vão do desaparecimento da representação como ilusão até a performance baseada na produção de presença, incitou-nos no caminho da reflexão filosófica.
Como muitos dos elementos que necessitávamos entender são de formulação recente, sem apresentarem ainda um grau razoável de aprofundamento teórico, fomos levados a buscar correlações entre os conceitos dramatúrgicos (e lingüísticos) com conceitos de outras áreas do conhecimento, como a filosofia. Como exemplo, pode-se citar o entendimento do conceito da produção da presença de Gumbrecht (2004) – aplicado largamente por Hans-Thies Lehman em suas análises sobre o teatro pós-dramático – a partir da dissolução da dualidade essência-aparência como base para a teoria do conhecimento, com a filosofia contemporânea estabelecendo a verdade a partir do axioma filosófico de que “tudo” é somente aparência
Dessa forma, pode-se constatar que o antigo esquema de análise baseado numa única teoria, seja ela romântica, formalista ou semiótica, não mais permite explicar o que acontece num espetáculo, pois é necessário se desprender dele, verificar as suas diversas perspectivas que acabam por chegar a um “novo” espectador.
Diante desse novo Zeitgeist, debruçamo-nos primeiramente sobre o texto escrito de Thom Pain, munidos do olhar de um leitor/espectador, e verificamos a interessante questão que os críticos americanos que resenharam Thom Pain afirmam: “Will Eno: um novo Albee ou um novo Beckett”. Chegamos à conclusão de que a filosofia existencialista presente no texto, apesar da influência de Beckett, possui uma maior similaridade com a arte de Albee, pois, assim como ele, a obra é fundamentalmente política no senso filosófico, trazendo uma conotação existencialista que, no entanto, difere do teatro de Beckett ao tentar mostrar que a vida, apesar de tudo, vale a pena. Essa possibilidade de mudança pode ser observada no comentário de Albee a respeito da personagem Peter em História do zoológico (s/d):

Eu creio que ele não vai voltar a ser a mesma pessoa que ele era antes da experiência com Jerry. Eu não posso imaginar que ele volte a ser. Não que ele vá se transformar no próprio Jerry, mas eu acredito que ele tenha sido consideravelmente alterado por isto. Eu penso que ele certamente foi alterado. E ele é um homem suficientemente inteligente para não retroceder. (ALBEE citado em BIGSBY, 1986, p. 259).

Da mesma forma pode ser constatada na obra de Eno:

Eu tenho que ir. Você tem que ir. Talvez alguém esteja esperando. Por favor, seja alguém esperando. Eu já acabei aqui. Coisas importantes vão acontecer, agora. Prometo. Seja estável, seja estável, seja estável, seja estável.
Breve pausa. THOM PAIN olha para a pessoa no palco, como se desafiando-o a agir, a responder. THOM PAIN anda alguns passos para a frente do palco.
Eu sei que isso não foi muito, mas permita que seja o bastante. Faça isso. Buu. Não é maravilhoso estar vivo?
Fade out.(TP, p. 17)

Nessa perspectiva, Eno e Albee ainda acreditam na possibilidade da redenção e, antes de trabalharem o absurdo, mostram um apelo para o contato humano, contra a solidão. As duas obras (Thom Pain e A história do Zoológico), apesar de apresentarem grandes diferenças estilísticas, trazem a temática que combina a crítica aos valores americanos com a falência da linguagem, mas tudo isso num contexto que aponta para a comunicação como a chave central para a reconstrução da moral.
Beckett, assim como Eno e Albee, também expressa uma atitude irônica perante a vida; no entanto, enquanto os dramaturgos estadunidenses ainda acreditam na possibilidade de uma redenção, a filosofia “niilista” de Beckett direciona-se para uma “não-saída”, para uma solidão que é intrínseca à existência. Em Esperando Godot, Beckett aponta para a visão do homem abandonado num mundo vazio, numa expressão lírica e patética, sem obter a mínima indicação de que a situação pode se reverter.
Esperando Godot retrata o chocante desamparo da condição humana, em que a esperança está orientada para um vazio; não há o que esperar. O mundo de Beckett é um mundo sem promessa, e a perspectiva aberta pelo exame do amadurecimento do problema da solidão humana no espírito contemporâneo o leva a uma negativa com relação à solução.
Will Eno, assim como Albee, mostra uma imensa preocupação com o modo de vida estadunidense, na critica que faz à falta de contato humano, à solidão e ao medo. A diferença entre as visões de Albee (e Eno) e de Beckett pode ser ilustrada na resposta de Brecht ao verificar a foto de um edifício solitário que se manteve em pé após um terremoto no Japão: “Ainda em pé”. Beckett veria o prédio como a ironia de uma situação em que tudo foi devastado; Brecht consegue visualizar o prédio como o início de uma nova cidade (BIGSBY, 1986, p. 260).
É importante notar que, assim como Brecht, longe de negar a existência como sendo algo catastrófico, Albee e Eno também conseguem identificar uma área de esperança, não importando quão tênue ela seja. Essa redenção afasta Albee e Eno da “não há saída” de Beckett, embora a preocupação existencialista seja uma tônica na arte de todos esses dramaturgos.
Na seqüência, encontramo-nos frente a frente com a complicada questão: o texto como um todo pode ser chamado de pós-dramático, ou ainda segue os preceitos e formulações da forma dramática? Essa questão torna-se difícil de ser respondida de uma maneira positiva, visto que não podemos deixar de considerar que, na área teatral, não acontecem profundas rupturas do dia para a noite, porque está sempre fortemente ligada à herança e a tradição; uma herança cultural que não é somente gerada por grandes autores, textos clássicos, mitos e símbolos sociais, mas também pela herança do vocal, gestual e prática da enunciação, numa curiosa dicotomia em que o teatro é, ao mesmo tempo, adversário da tradição e adepto da prática das normas da expressão antiga.

O teatro pós-dramático não destrói as conquistas da prática histórica do teatro em nome de um progresso cego e no mito das origens. Mais do que isso, ele dramatiza os elementos constituintes da teatralidade como signos. Este processo de negação não destrói e sim produz no seu gesto de desconstrução seu próprio metadiscurso. (FINTER citada em PAVIS, 2008, p. 63).

Assim, no primeiro capítulo, identificamos os vários elementos que nos possibilitaram definir o texto como um texto de forte caráter pós-dramático, pois ele direciona para uma encenação pós-dramática que, como pudemos posteriormente avaliar, acabou por se concretizar no espetáculo a que assistimos. No entanto, precisamos estar conscientes de que o caráter dramático ou pós-dramático só pode ser verificado a partir da concretização cênica e receptiva (T3 e T4), pois o texto de Thom Pain, mesmo com toda a sua construção pós-dramática, poderia através de uma outra produção que valorizasse a representação e a ilusão ter adquirido um caráter dramático.
Weber durante a sua entrevista, deixou claro que a produção poderia ter optado por um caminho mais dramático, com o trabalho de voz executando alocuções sentimentais, que buscassem uma aproximação com um determinado “estado sentimental” da personagem. No entanto, ao escolher o comediante stand-up como modelo para Thom, ao utilizar uma perspectiva minimalista e abandonar a exatidão da marcação nos ensaios, Weber privilegiou a espontaneidade e a energia, possibilitando ao público a recepção de uma verdadeira experiência pós-moderna. Muito menos significado, e muito mais compartilhamento da experiência e de energia entre o ator e a platéia.
A importância da análise da encenação no exame da pós-dramaticidade se tornou ainda mais contundente, pois, na continuidade de nosso estudo, tivemos a oportunidade de verificar a concretização dos vários elementos pós-dramáticos do texto na encenação proporcionada pela Sutil Companhia de Teatro, o que está completamente de acordo com Lehmann, quando ele diz:

Para o teatro pós-dramático, o que vale é que o texto teatral predeterminado por escrito e/ou oralmente e o “texto” – no sentido mais amplo do termo ─ da encenação (com atores, suas contribuições “para-lingüisticas”, reduções e deformações do material lingüístico; com figurino. Luz, espaço, temporalidade própria, etc.) são postos sob uma nova perspectiva por uma compreensão diversa do texto da performance. (LEHMANN, 2008, p. 142)

A partir da constatação de que a diferenciação entre as formas dramáticas e pós-dramáticas são de difícil percepção, visto que são constituídas por paradigmas de produção-recepção diferentes, confusos e de difícil definição a priori, o critério mais adequado para classificá-las é a encenação. O texto não é suficiente para prover um meio satisfatório de entender o que é dramático ou pós-dramático, pois tudo depende das práticas concretas do ator, do palco, do público, que sofrem variações consideráveis através dos tempos. Assim, para a definição do teatro pós-dramático é necessária a análise de como foi conduzido o espetáculo como um todo (produção, encenação e recepção).

[...] o teatro pós-moderno remete necessariamente a um passado que é tributário de toda uma tradição teatral que não pode ultrapassar a não ser assimilando-a. Caracteriza-se por uma recusa em romper objetivamente com um movimento ou uma vanguarda para melhor integrar os materiais que recupera onde bem entender. (PAVIS, 2008, p.57)

O fato de termos assistido à apresentação possibilitou que observássemos e anotássemos, no calor do momento, as diversas formas de reação da platéia: alguns espectadores indo embora, enquanto outros riam das piadas. Isso demonstra que Thom Pain, ao eliminar pontos referenciais que poderiam servir para a obtenção de um sentido geral para a peça, ao criar a personagem Thom Pain das mais diversas formas, as quais são criadas para em seguida serem desfeitas; faz com que a platéia tenha que se envolver com a identificação de signos nem sempre muito claros. Para que ela consiga obter algum sentido nesse brainstorming pós-dramático, precisa apreender, numa dialética própria entre o espectador e o ator, os elementos intertextuais do texto, a troca de energia e a significação do enredo como um todo, somente assim atingindo o sentido, numa experiência extremamente pessoal.
Outro possível aspecto que causou essa evasão do público no espetáculo é a imobilidade do ator, enunciando a integridade da existência através da língua, da nudez, da precisão e da verdade. Essa estratégia acabou por não ser bem recebida por uma parcela do público que ainda vai ao teatro para se iludir:

É preciso viver seu papel, viver seu personagem. Não se trata de representá-los ou imitá-los, mas de vivê-los. A relação é orientada do personagem para o ator, o trabalho se apóia sobre dois pólos: ingestão de dados do personagem e projeção das formas do ator (o sentir e o agir). A técnica do “se”: O personagem agiria desta forma nas circunstâncias da peça determinando a importância do papel da imaginação. (FREUD citado em GUÉNOUN, ps. 89-91)

No “calor” da apresentação, pudemos ainda observar que a encenação de Thom Pain, rigorosamente adaptada a um estilo pós-dramático, não procura evitar as quedas de tensão e de ritmo na performance que, como observamos no terceiro capítulo, ocorreu em vários momentos da peça; esta em nenhum momento sugere qualquer verossimilhança com o objetivo de criar a ilusão de que se trata de uma história real. Como pudemos observar, Thom é uma personagem de carne e osso, combatendo os códigos de uma realidade ilusória. Porém, é importante salientar que, mesmo que tivéssemos um texto “coberto por poeira”, o mesmo poderia, através de uma produção adequada, adquirir a forma pós-dramática, como aconteceu com a produção de Hamlet por Robert Wilson (LEHMANN, 2008, p. 208).
No entanto, na concepção pós-dramática, somente o texto e a encenação apontando na direção dessa estilística não garante que tenhamos uma concretização total do espetáculo como pós-dramático, uma vez que ainda falta a parte mais importante da cadeia de concretizações (PAVIS, 2008): uma recepção adequada. Sem ela, o espetáculo se descaracteriza, visto que pressupõe uma participação ativa do público e, se todos os espectadores agissem como os espectadores da “ilusão” e tivessem se retirado da platéia, toda a encenação pós-dramática de Thom Pain poderia se perder.
A recepção por parte do público deve possuir uma relação dialética intrínseca com a produção. Ao comparar os textos religiosos que surgiam com o Cristianismo com os antigos textos clássicos, Auerbach (2004, p. 39) afirma: “A diferença de estilo entre os textos antigos e os primeiros textos cristãos se deve ao fato de que foram escritos a partir de diferentes pontos de vista e destinados a homens diferentes”. Assim, mesmo um texto “empoeirado” produzido na contemporaneidade será modificado, ao menos pelo fato de que não será lido no mesmo sentido que leram aqueles para os quais a obra foi direcionada, pois a recepção se dará num novo Zeitgeist.
No cenário pós-moderno, a forma de apreensão do tempo e do espaço se modificou, com o tempo aparecendo como algo estagnado, com o futuro aparecendo como algo bloqueado (GUMBRECHT, 1998, p. 128), com a compressão espaço-tempo, que faz sentir que o mundo é menor e as distâncias mais curtas (HALL, 2004, p. 69), e com a perda do sentido da continuidade histórica:

[...] nossa herança foi deixada sem testamento algum. O testamento, dizendo ao herdeiro o que será seu de direito, lega posses do passado para um futuro. Sem testamento ou, resolvendo a metáfora, sem tradição – que selecione e nomeie, que transmita e preserve, que indique onde se encontram os tesouros e qual o seu valor – parece não haver nenhuma continuidade consciente no tempo, e portanto, humanamente falando, nem passado, nem futuro. (ARENDT, 1992, p. 31)

A ligação que a recepção do espetáculo por parte do público – elemento-chave desse processo – mantém com a produção foi observada nos dois grupos distintos de espectadores, mostrando que o espetáculo propunha uma relação dialética entre a produção e a recepção, muito mais aderente ao público que não foi ao espetáculo em busca da fantasia presente nas novelas da televisão.
Os espectadores que foram ao espetáculo, movidos pelo desejo de uma representação dramática, acabaram saindo no meio da apresentação, pois ao invés de encontrar o ator Guilherme Weber incorporando a personagem e trazendo a ilusão de outra realidade, encontraram-no falando sobre a integridade da existência através de um texto entrecortado, enunciado a partir de uma quase imobilidade e apresentado de uma forma nua e crua. Essa parte do público esperava Weber “vivendo” a personagem:
O público se frustra ainda por encontrar não a grande personagem da televisão, mas sim um sujeito de carne e osso, o que o afasta desse mundo de sujeitos invisíveis, das figuras da telinha. Weber/Thom é igual às pessoas da platéia que estão “próximas” a ele, que comem como ele, que sofrem da mesma solidão, que “trepam” como ele, que enfim são tão iguais a ele. Esse fato causa uma sensação de realmente se estar nesse mundo injusto, violento ou desigual, mas que é o mundo onde de fato vivemos, ou como exemplifica Gumbrecht: “Fenômenos que nos aproximam com as coisas do mundo, uma vez que “sentar à mesa” ou “fazer amor” não são aspectos meramente conceituais das nossas vidas” (2004, p. 140).

A construção da personagem faz que evitemos o risco eminente de perdermos o contato “real” com ele, sem sabermos mais o que perdemos, pois o virtual tecnológico que substituiu o mundo real, se de um lado, possibilitou a experiência ao vivo independentemente de onde esteja o nosso corpo, por outro, colocou a tela do computador como uma barreira que nos separa das coisas do mundo; criando a sensação de que a realidade substancial está perdida. (BATAILLE citado em GUMBRECHT, 2004, p. 138)

No entanto, toda essa problematização não significa que a solução está na ilusão ou na pura realidade, que se deve voltar ao debate sobre a intencionalidade do artista-produtor e sobre a subjetividade do espectador- receptor. Quanto a isso, Lehmann nos lembra de que:

[...] não é nem em uma nem em outra, mas em sua sedução (e não redução) mútua que nós devemos procurar: sedução que as culturas em contato na troca intercultural conhecem bem para nela sucumbir sem trégua e não sem delícia. (LEHMANN citado em PAVIS, 1999, p. 22)

Como observamos, um primeiro ponto dessa relação dialética produção-recepção em Thom Pain se oferece como um drama existencial, que já pode ser vislumbrado na leitura textual. Porém, o caráter de uma comédia stand-up, que acarretou a sua designação de “existencialismo stand-up”, só pode ser notado a partir da recepção do espetáculo. A dialética produção-recepção, referente ao caráter stand-up do espetáculo, não conseguiu lograr êxito, pois o público brasileiro não possui um “background” sobre a cultura estadunidense, portanto não conseguiu entender as piadas que foram traduzidas sem as devidas adaptações do texto-origem para facilitar o entendimento do público- alvo. A formação de público é determinante para que este tenha algum (ou o máximo) proveito do espetáculo. “A arte teatral sempre exigiu de seus espectadores uma atitude renovada” (LEHMANN, 2008, p. 155). O crítico alemão ainda alerta:

Assim, a produção acaba por transferir os problemas ligados à produção para o campo da recepção e esperar ingenuamente da parte do espectador que ele os resolva todos com um golpe de varinha mágica, como se tivesse se tornado um espectador investido de todos os poderes teóricos. (LEHMANN citado em PAVIS, 1999, p. 22)

Nesse panorama, em que alguns espectadores desistiram do espetáculo enquanto outros permaneceram no teatro, resta a pergunta: “Enfim, o espetáculo deu certo? Atingiu os seus objetivos?”. Porém, essa resposta não é simples, pois como já verificamos essa nova forma teatral não tem como objetivo a experiência catártica coletiva, mas sim uma experiência íntima de cada um, o que nos possibilita, a princípio, afirmar que atingiu os seus objetivos em relação a uma parte do público, mas não em relação a outra (os amantes da ilusão), que desistiu da exibição.
O público que consideramos ter sido “fisgado” por essa nova modalidade teatral assistiu à performance até o fim (achando ou não graça das piadas) porque, antes de mais nada, “desejava” partilhar o jogo dramático.

[...] oferecem o seu olhar enquanto esperam a sua vez, ou seja, o público também tem a necessidade de jogar, que acompanha o jogo dos jogadores em posição virtual de jogar também, um jogo que talvez nunca venha, mas que se coloca no horizonte da visão. (GUÉNOUN, 2004, p. 150)

Porém, esse mesmo público que conseguiu entrar no jogo da performance, na relação erótica com o ator, na constatação da presença, honestidade e energia do ator, também ficou incomodado, não por causa da falta da fantasia, mas pela dura constatação da realidade da vida:

Uma platéia que é levada à frustração ao concluir que não lhe é facultada o conhecimento da verdade ou do nosso semelhante, e que o nosso cotidiano está repleto de relações humanas precárias, desassossego e desalento de viver, estranhamento com a realidade circundante e com inquietações que aterrorizam a sociedade contemporânea em geral. (CAMATI, 2006, p. 21)

Assim, a Sutil Companhia de Teatro, de uma forma geral, conseguiu, através de uma interpretação sincera e madura e de uma direção que permitiu ao ator desempenhar uma performance, obter um bom resultado entre o público, que não se amedrontou frente a esse “Tanto faz”. O espetáculo transmitiu com eficiência os seus objetivos que estavam claramente delineados como: mostrar a “falência” da linguagem, o aspecto da irracionalidade humana e a visão de que o ser humano não é apenas e tão somente um animal racional.
Mas, também é importante notar que Thom Pain de Weber-Hirsch é uma peça que evidentemente não vai conseguir mudar a vida de alguém (se é que alguma peça possua esse poder) e nem mesmo acrescentar muita coisa a boa parte do público Entretanto, ao apresentar “um” (entre o universo de possíveis) Thom Pain como um sujeito igual a todo mundo, talvez um pouco melhor ou um pouco pior, mas igualmente humano, acaba por desvelar o caráter de uma angústia existencial presente em muitos de nós nesses tempos pós-modernos, da era da internet e da televisão a cabo.
Finalmente, podemos ainda indagar: “Uma vez que somente parte do público aproveitou a performance, podemos afirmar que o espetáculo foi eficaz na sua proposta?”. A resposta, a princípio, poderia ser considerada negativa, pois uma parte do público não assistiu à peça até o fim e, portanto, não “entrou no jogo”. Acontece que, como já verificamos, o teatro pós-dramático parte de uma perspectiva no sentido de oferecer experiências íntimas e individuais. Dessa forma, analisando o espetáculo a partir da minha experiência pessoal, posso afirmar que o espetáculo Thom Pain foi eficaz, pois ofereceu a mim, a possibilidade de vislumbrar uma personagem humana, que pode realmente ser digna de crédito; personagem que, assim como nós, apresenta uma visão de mundo que se alterna continuamente, às vezes parecendo sólida, mas na maioria das ocasiões revelando-se extremamente trêmula.
Assim, Thom, a partir de um mundo profundamente marcado por uma arte industrializada, por discursos padronizados e pré-significados e por mensagens ilusórias de auto-ajuda, consegue trazer uma mensagem de redenção. Um “Zaratustra pós-moderno” que diz: “Tente ser melhor, tente não desperdiçar a sua vida com medo”.

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