ESPANTALHOS E O TEMA DA LIBERDADE: O USO DAS ARTES CÊNICAS
COMO EMBASAMENTO PARA A LEITURA DE FILOSOFIA NO ENSINO
MÉDIO.
LUIZ ROBERTO ZANOTTI (UFPR).
Resumo
Este estudo tem como objetivo apresentar os resultados obtidos a partir de um
olhar investigativo sobre a “falta de interesse” na leitura de filosofia por parte dos
alunos de uma escola de ensino médio da rede estadual pública do Paraná. O
principal resultado obtido na investigação, foi o fato de que os alunos, acostumados
a lerem uma literatura eminentemente “didática”, tinham sérios problemas de
interpretação ao se depararem com a leitura filosófica; que com as devidas
reservas, pode ser aproximada ao conceito de “literatura aberta” de Wolfgang Iser
(1999), uma literatura na qual o leitor é convidado a colocar a serviço da
interpretação, todo um acervo que envolve leituras passadas, autores, gênero,
estruturas literárias, ou seja, tudo aquilo que leu, rearranjando as informações para
interpretar. Dessa forma, cientes que diferentemente da alfabetização, a formação
do leitor é uma atividade que nunca acaba e que − como um leitor pode ter prazer
naquilo que não se conhece? − decidimos pela estratégia de apresentar para os
alunos um vídeo do espetáculo teatral Espantalhos − que trata sobre o trajeto de
um espantalho até atingir a liberdade −, para servir como “um pequeno acervo”
(embasamento) para a leitura do texto sobre “Sartre e a liberdade” presente no
livro Fundamentos da Filosofia, de Gilberto Cotrin. Os resultados, de uma forma
geral foram muito interessantes, com os alunos, após assistirem o vídeo, terem
preparado (lido) o texto, o que pode ser verificado pelo alto grau de participação,
seja através da discussão do tema, seja pela elaboração de redações, que
trouxeram pensamentos bem condizentes com a filosofia existencialista de Sartre,
tais como: “Às vezes achamos que somos livres, mas como não sabemos realmente
o que é ser livre, acabamos nos contentando com a situação sem tentar modificá–
la”.
Palavras-chave:
Escola da Ponte, Filosofia, Teatro.
O sábio passa em seu andor
Eu andorinha
Luiz Zanotti
Introdução
Este estudo tem como objetivo apresentar o diagnóstico do problema com a leitura
de textos filosóficos no ensino médio e um possível caminho para a sua solução
através do uso das artes cênicas como embasamento e incentivo para esta leitura.
A primeira parte tem como objetivo apresentar os resultados de um olhar
investigativo lançado no processo de ensino e aprendizagem de filosofia numa
escola pública de ensino. A leitura foi trabalhada como um objeto a partir de suas
implicações epistemológicas e da relação com outras áreas do conhecimento, tais
como, o processo de escolarização, a relação ensino e aprendizagem, os processos
de organização e sistematização da ação pedagógica, gestão escolar, psicologia da
educação, a distribuição espacial, etc.
Na segunda parte foi elaborado um planejamento para uma série de aulas a
respeito do tema "Sartre e a Liberdade", assunto presente no currículo da disciplina
de filosofia, levando em conta os resultados obtidos na investigação. Dessa forma,
a partir do diagnóstico realizado utilizamos alguns conceitos de leitura presentes na
obra de Wolfgang Iser (1979) buscando uma forma de corrigir alguns aspectos que
consideramos como deficiências em nossa observação a respeito do incentivo à
leitura.
Finalmente, apresentamos uma breve conclusão, que obviamente tem apenas um
caráter informativo, sobre os resultados obtidos na utilização destes conceitos de
leitura utilizados.
1. Investigação pedagógica
1.1. Sobre a Instituição
A Instituição de ensino analisada é uma das mais antigas da capital paranaense,
chegando a ser considerada uma escola modelo no ensino médio e
profissionalizante. O seu corpo discente é constituído de seis mil alunos divididos
em três períodos e o seu corpo docente é constituído por cerca de duzentos
professores, em sua maioria, licenciado nas mais diversas disciplinas, mas
possuindo também alguns mestres e doutores.
O ingresso para a 1ª série do Ensino Médio é feito através de um teste
classificatório, de acordo com o número de vagas disponíveis e análise curricular
para os demais, o que garante um bom e homogêneo nível estudantil dos alunos.
A escola possui uma biblioteca muito moderna e bem equipada, que elabora
projetos de incentivo a escrita literária e também oferece aos seus alunos e à
comunidade atividades em diversas áreas tais como artes, línguas, esportes, etc.
Na parte de ensino o colégio promove simpósios de capacitação para seus
professores, constituídos como um espaço de encontro de caráter presencial com
os seguintes objetivos:
- a criação de condições para a atualização de conhecimentos e sistematização das
discussões sobre a prática docente, mediante a interação dos agentes desse
conhecimento: palestrantes, mediadores e professores, com vistas a melhoria na
qualidade da educação;
- o aprofundamento da discussão sobre as diretrizes curriculares e propostas
pedagógicas de cada nível, modalidade e/ou área do conhecimento, e;
- a sistematização dos conhecimentos decorrentes das discussões realizadas, como
forma de proporcionar em toda a rede educacional a possibilidade de leitura e de
re-discussão da produção dos simpósios na instância escolar.
1.2. Sobre o ensino e leitura de Filosofia
Em nosso trabalho investigativo, para nos aproximarmos do cotidiano da escola, no
intuito de recolher informações para futuramente organizá-las e interpretá-las, nós
assistimos a uma série de aulas de Filosofia para uma turma da segunda série do
ensino médio constituída de trinta e cinco alunos. O conteúdo da série de aulas
versava sobre a filosofia política de Maquiavel, baseada no livro Fundamentos da
filosofia, de Gilberto Cotrin (2000).
Na primeira aula desta série, o professor, logo após a chamada, argüiu a turma
sobre o que eles achavam sobre política; várias respostas foram dadas dentro do
contexto da época, fazendo relações principalmente com a corrupção.
Quase no final da aula, o professor anotou os dados biográficos do filósofo no
quadro negro, o situou em seu tempo e numa atitude de incentivo à leitura e
reflexão colocou três questões para que os alunos as preparassem para a próxima
aula, a saber:
1. Qual a relação entre ética e política para Maquiavel?
2. Quais são as principais razões da existência do Estado?
3. O que significa autonomia política?
Na segunda aula da série, depois do ritual da chamada, o professor escreveu
novamente as questões no quadro negro, argüindo os alunos a respeito das
mesmas, obtendo uma participação muito insignificante, com os alunos - na
maioria das vezes - aguardando a resposta por parte do professor.
A pouca participação dos alunos foi totalmente contrária às minhas expectativas,
pois havia sido relatado por professores de outras disciplinas que esses estudantes
"modelo" não só tinham um bom nível de interação nas aulas, como eram afeitos
ao hábito de leitura dada a imensa atividade cultural dos mesmos que organizavam
vários eventos tais como a feira do livro usado, gibi em ação, feira do artesanato,
concurso de fotos etc. Desta forma, ficou a dúvida sobre qual o motivo desses
estudantes com um excelente nível intelectual apresentarem dificuldade em se
interessar pelo tema, apesar de todo esforço de motivação efetuado pelo professor.
1.3. Diagnóstico
Esta falta de motivação pela leitura e aprendizagem de Filosofia numa escola tão
bem estruturada e com um nível de informação surpreendente tanto dos alunos,
quanto dos professores, fez cair por terra o meu "pré-conceito" de que a situação
do ensino estava deplorável devido a falta de motivação ocasionada por deficiências
tais como: salas cheias, professores com baixos salários, pouca qualificação e
pesadas cargas horárias, laboratórios e bibliotecas defasados, e em muitos
lugares, também a violência.
Assim, ao buscar uma possível causa para esta falta de motivação, o problema me
pareceu estar relacionado à necessidade de uma maior reflexão para a leitura da
Filosofia pelos alunos, mais acostumados pelo que eu chamo de uma leitura
instrumental, ou seja, à leitura com objetivos de preparar para o vestibular ou
como a produtora de uma força de trabalho.
Esta leitura instrumental faz com que os alunos sejam direcionados para decorar
uma série de regras, fatos e equações, perdendo a possibilidade de tornar a
educação mais reflexiva, de modo a possibilitar a transmissão aos jovens de
saberes estratégicos voltados ao desenvolvimento intelectual, e não a uma simples
utilidade imediata.
Desta forma, o problema que foi colocado por esta investigação inicial é "por que os
alunos não criam interesse pelo estudo da filosofia" e "como" cativar os alunos a
"querer aprender", ou seja, evitar aquilo que Nietzsche (1999) em "Schopenhauer
como educador" define como o ensino da filosofia que simplesmente apresenta um
"sem número" de filósofos e suas teorias, num vôo panorâmico que só serve para
desencorajar os jovens a ter opiniões, os fazendo participar de um coro de júbilo
por chegarem esplendidamente tão longe e por terem aprendido a odiar a filosofia
- uma vez que as provas lhes trazem as idéias mais malucas ao lados das mais
difíceis de serem captadas. A crítica à filosofia devia ser se é possível viver segundo
ela, numa filosofia da vida e não uma crítica de palavras com palavras, com seus
vários sistemas e suas críticas guardados nas cabeças destes intoleráveis filósofos.
Seguindo o pensamento de Nietszche, ao acompanhar o ensino de filosofia nesta
escola, me pareceu que a sua função é somente, como já descrevemos, preparar
para uma prova de filosofia do vestibular, sendo que, assim que o aluno passa ou,
como diz Nietzsche, escapa da mesma, o jovem se vê aliviado de não ser filosofo e
sim cristão e cidadão do Estado, como se a função deste ensino fosse ao invés de
conduzir, afastar o cidadão da filosofia.
2. Discussão do motivo do desinteresse ("por que?") e de uma possível
caminho (como?).
2.1. Discussão do "por que?" a partir de alguns elementos da teoria dos
efeitos de Iser
A teoria dos efeitos de Wolfgang Iser (1979) se apresentou desde o início, como
uma possibilidade de nos apontar para uma possível caminho de motivação dos
alunos para a leitura e o aprendizado de filosofia. Iser, muito menos que buscar a
formulação de um método, está preocupado com a compreensão teórica do
processo de leitura no que diz respeito à descrição dos conceitos relativos aos
fenômenos perceptivos pelos quais passa o leitor.
Dessa forma, para melhor entendimento da teoria dos efeitos, se faz necessário
que façamos um retrospecto sobre o panorama filosófico no qual a teoria de Iser se
insere. A filosofia contemporânea tratou de por fim nessa busca de um sentido
oculto ao rejeitar o princípio platônico da dualidade essência-aparência, o que
ocasionou a impossibilidade de se obter um sentido único para um determinado
objeto. Esse princípio que teve vigência através de toda filosofia moderna, da qual,
os principais pilares são Descartes, Kant e Hegel, em nenhum momento teve essa
relação fundamental apoiada na razão (sujeito-objeto) contestada.
A partir de Nietzsche, ocorre uma mudança radical: cessa a crítica imanente da
razão, no âmbito da modernidade, e inicia-se uma crítica externa à razão, dirigida
contra a razão, e que contesta a própria modernidade e seus pressupostos. A crítica
da modernidade e da razão ocidental prossegue com Heidegger, que vai atribuir um
estatuto especial à filosofia que busca o "Ser em suas origens", e dissolvendo de
vez essa relação sujeito-objeto.
Tais rupturas trouxeram sérias modificações na forma de se pensar o sujeito desde
o Iluminismo: O homem moderno, que até aqui era visto como um sujeito
unificado, com uma ancoragem estável no mundo social, tem a sua identidade em
colapso através do deslocamento ou "descentração" do sujeito, acarretando uma
perda de um "sentido de si" estável, trazendo conseqüências não só na área da
Ciência, mas também nas manifestações artísticas (HALL, 2004, p. 07-46).
Essa fragmentação traz junto consigo a idéia de que a realidade percebida está
longe de ser homogênea, e que não é sem razão que o pensamento pós-moderno
tenha abandonado as categorias da totalidade e da essência, o que significa que
tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada do conhecimento são os dados
empíricos; em outras palavras, não existe uma verdade atrás de uma aparência, o
que existe é só a aparência.
Segundo Gilvan Fogel (2003),
Afinal, qual o ser, a essência da mesa, da laranja? [...] Atrás das
coisas? Além delas? [...] Bem, se a essência de uma coisa está
"atrás" ou "além" dela, então a coisa não é mais coisa! Eu corto a
laranja, desfaço-a em gomos e não encontro o seu dentro, o seu
mais profundo. (p.18-19)
O que Fogel questiona é que, ao se rachar uma mesa, encontra-se serragem,
madeira, pedaço de mesa, tudo que já não é mais mesa, ou seja, encontra-se
somente superfície: onde é que está a essência, o miolo, o caroço profundo da
mesa? O ser das coisas está na sua aparência, no seu modo de ser possível.
Ainda, voltando para o exemplo da laranja, podemos notar a sua grande gama de
sentidos pois se, para um botânico, ela é seu nome científico, para o sitiante, é
meio de sobrevivência, para os garotos, pode ser uma bola de futebol ou uma arma
se arremessada. A verdade é que a laranja não é tão tranqüilamente laranja, não é
tão uniforme, e sua identificação depende da perspectiva do observador.
Partindo, dessas premissas, e principalmente da fenomenologia, Iser (1996) vai
também dissolver a dualidade essência-aparência, se opondo à uma crítica
hermenêutica inocente que objetiva a obra de arte como representação de uma
totalidade (verdade universal), o que é magnificamente demonstrado através de
sua análise do livro de Henri James, Figure in the carpet.
Assim, Iser vai estudar o ato de leitura a partir destes princípios fenomenológicos,
afirmando que os atos de apreensão do texto se dão na interação entre o texto e o
leitor desprezando os modelos textuais que descrevem apenas um pólo da situação
comunicativa.
Segundo Iser (1999):
... o repertório e as estratégias textuais se limitam a esboçar e préestruturar
o potencial do texto; caberá ao leitor atualizá-lo para
construir o objeto estético. A estrutura do texto e a estrutura do ato
constituem portanto os dois pólos da situação comunicativa; esta se
cumpre à medida que o texto se faz presente no leitor como correlato
da consciência. (p. 9)
A partir desta constatação, a transferência do texto freqüentemente objetivada
como algo produzido somente pelo texto passa também a considerar certas
disposições da consciência, tais como a apreensão e o processamento. Ainda
segundo o autor,
Referindo-se a normas e valores, como por exemplo, o
comportamento social de seus possíveis leitores, o texto estimula os
atos que originam sua compreensão. Se o texto se completa quando
o seu sentido é constituído pelo leitor, ele indica o que deve ser
produzido; em conseqüência, ele próprio não pode ser o resultado.
(ISER, 1999, p. 9)
Com isso, Iser mostra as deficiências das teorias lingüísticas e também as de
procedência marxista que evocam a impressão de que um texto, por assim dizer,
imprime-se automaticamente na consciência de seus leitores, sugerindo uma rua de
mão única do texto para o leitor:
Por esta razão, é preciso descrever o processo da leitura como
interação dinâmica entre texto e leitor. Pois os signos lingüísticos do
texto, suas estruturas, ganham sua finalidade em razão de sua
capacidade de estimular atos, no decorrer dos quais o texto se traduz
para a consciência do leitor. (Idem, p. 10)
Dessa forma, os atos estimulados pelo texto saem do controle total do texto
originando a criatividade (reflexão) da recepção, fazendo com que o autor e o leitor
participem de um jogo que sequer se iniciaria se o texto pretendesse ser algo mais
do que uma regra do jogo.
Para tornar essa estrutura intersubjetiva entre a partitura do texto e a capacidade
dos leitores passível de descrição, Iser vai se apoiar, como vimos, na
fenomenologia da leitura para esclarecer estes atos de apreensão pelos quais o
texto se traduz para a consciência do leitor, e aqui parece estar o "Por que?" de
nossa questão. Segundo o autor,
... a leitura só se torna um prazer no momento em que nossa
produtividade entra em jogo, ou seja, quando os textos nos oferecem
a possibilidade de exercer as nossas capacidades. Sem duvida há
limites de tolerância para essa produtividade; eles são ultrapassados
quando o autor nos diz tudo claramente ou quando está sendo dito
ameaça dissolver-se e tornar-se difuso; neste caso, o tédio e a fadiga
representam situações-limite, indicando em principio o fim de nossa
participação. (Idem)
Esta explicação nos mostra a importância do aluno ao se defrontar com o texto
filosófico, um texto geralmente aberto a uma série de interpretações - como
podemos confirmar nos textos platônicos -, seja munido de ferramentas que o
possibilitem a "entrar" no jogo, sem que este texto acabe se tornando uma ameaça
e portanto algo a não ser "desejado", obtendo um mínimo de prazer e coerência,
evitando ainda o que Humberto Eco chama de super-interpretação. Segundo Eco
(1993),
Interpretar um texto significa explicar por que essas palavras podem
fazer várias coisas (e não outras) através do modo pelo qual são
interpretadas. Mas se Jack, o Estripador, nos dissesse que fez o que
fez baseado em sua interpretação do Evangelho segundo São Lucas,
suspeito que muitos críticos voltados para o leitor se inclinariam a
pensar que ele havia lido São Lucas de uma forma despropositada.
(p. 28)
A estrutura textual é composta principalmente pelo repertório, pelas estratégias e
pela realização. O repertório é constituído dos sistemas de sentido extra-literários -
ou de sua negação - e também da literatura do passado. Assim, o repertório diz
respeito às variadas referências do texto, que se apresentam sob diferentes
formas: alusões literárias, normas históricas e sociais, dados do contexto cultural,
enfim, todo e qualquer tipo de indicador da "realidade extra-textual" que é
desprovido da validade que possuia no contexto de referência. Estas escolhas não
são arbitrárias, pois a seleção de determinados sistemas de sentido deve ter um
motivo para constituir o repertório de um texto ficcional. Sendo assim, o repertório
tem um caráter de informação.
As estratégias dizem respeito à organização do material interno que constitui o
texto. Elas advêm do trabalho do autor no texto (consciente ou inconscientemente)
através da escolha do gênero e suas combinações, das perspectivas textuais (do
narrador, do leitor implícito, das personagens, do enredo), da utilização de
metáforas, alegorias, aforismos, quebras textuais, neologismos, etc. que vão
estabelecer as bases para que o leitor passe pelo efeito (sentido) e conseqüente
resposta estética.
A realização se encontra no papel do leitor e consiste na projeção da soma de uma
estrutura do texto e de uma estrutura do ato de leitura. A relação estabelecida
entre sujeito (leitor) e objeto (discurso ficcional) fundamenta o conceito de leitor
implícito: "A concepção do leitor implícito descreve, portanto, um processo de
transferência pelo qual as estruturas do texto se traduzem nas experiências do
leitor através dos atos de imaginação" (Iser, 1996, p.79).
Um texto precisa representar alguma coisa, e a significação do que é representado
existe independentemente de qualquer recepção singular. Por outro lado, pode-se
entender que essa significação, que é aparentemente independente de qualquer
realização do texto, é em si mesma, uma experiência individual de leitura que tem
sido identificada com o texto em si. Assim, o leitor implícito é uma categoria que
proporciona o quadro de referências para a diversidade de atualizações históricas e
individuais do texto, a fim de que se possa analisar sua peculiaridade.
2.2. Discussão do "como" proceder na aula sobre Sartre e a Liberdade
Uma vez, que com alguma segurança, podemos usar o "por que" sugerido pela
teoria de Iser (que nos trouxe como principal resultado a constatação de que os
alunos, sem possuírem um repertório adequado acabavam por se defrontar com
sérios problemas de motivação - desejo - quando eram convidados a ler e
interpretar textos filosóficos), assumimos o "como" através da idéia de uma
suplementação de repertório que pudesse auxiliar os estudantes na leitura e
interpretação do texto sobre Sartre e a Liberdade.
Esta suplementação se deu através da disponibilização de material que pudesse ser
assimilado pelos alunos de uma maneira natural, o que nos levou a apresentar o
vídeo de uma peça musical que conta a estória de um espantalho que após ser
retirado de um milharal e colocado como parte da decoração de uma vitrine
juntamente a outros espantalhos fabricados a partir dele como modelo, vai tentar
de todas as formas voltar novamente ao campo, trazendo a tema "liberdade".
A idéia era motivar os alunos a responder a respeito do tema "liberdade" de uma
forma espontânea, porém tendo como pano de fundo a liberdade sonhada pelo
Espantalho. Ao utilizarmos este recurso, buscamos trazer a filosofia para uma base
da realidade - alguém buscando pela liberdade - sem nos afastarmos da abstração
presente numa imagem do espantalho, ou seja, homem como um simulacro. Após
a exibição do vídeo foi solicitado para que os alunos procurassem ler o texto sobre
Sartre e a liberdade usando como "pano de fundo" a peça assistida.
A aula seguinte começou com os alunos se agrupando para escrever uma pequena
redação a respeito da relação entre a peça "Espantalhos" e a leitura de Sartre. O
resultado se mostrou bastante satisfatório, mostrando que os alunos, de uma forma
geral, conseguiram elaborar uma excelente reflexão sobre o vídeo, o que pode ser
percebido por frase como: "Às vezes achamos que somos livres, mas como não
sabemos realmente o que é ser livre, acabamos nos contentando com a situação
sem tentar modificá-la"; "Os espantalhos fabricados não se incomodavam em
estarem presos, pois eles não conheciam a liberdade", ou ainda: "O espantalho
Visconde apesar de estar encarcerado na vitrine não se acomodou com a situação
até conseguir de novo a liberdade".
Esta última afirmação sobre a busca da liberdade pelo espantalho demonstra
claramente a reflexão a respeito de certos conceitos de Sartre contidos no texto,
tais como o fato de sermos "condenados à liberdade"; ou seja, não há limite para
nossa liberdade, exceto o de que "não somos livres para deixarmos de sermos
livres".
Para descrever a consciência desta liberdade, Sartre usa o termo "angústia" no
sentido de que nós estamos livres porque não podemos confiar em um Deus para
justificar nossa ação ou para nos dizer o quê e quem nós somos. Esta angústia
como consciência da liberdade de escolha, também foi percebida pelos alunos em
geral que notaram a tristeza (que podemos comparar com a angústia) de Visconde
ao ser retirado do campo e não saber o que deveria fazer para alcançar a sonhada
liberdade.
Enfim, resumindo as várias perspectivas exploradas pelos alunos chegamos juntos
a uma conclusão, mesmo que parcial, de que os atos de cada um definem a vida, o
homem se compromete, desenha seu próprio retrato e não há mais nada senão
esse retrato. Nossas ilusões e imaginações a nosso respeito, sobre o que
poderíamos ter sido, são decepções auto-infligidas. Uma pessoa "corajosa" é
simplesmente alguém que geralmente age com bravura. Cada ato contribui para
nos definir como somos, e em qualquer momento podemos começar a agir de modo
diferente e desenhar um retrato diferente de nós mesmos. Há sempre uma
possibilidade de mudança, de começar a fazer um tipo diferente de escolha, e o
exemplo disso se mostra claramente através do espantalho Visconde que escolheu
a sua volta ao campo.
3. Conclusão
Desta forma, os resultados obtidos a partir do olhar investigativo sobre a "falta de
interesse" na leitura de Filosofia nos levou a tomar algumas atitudes dentro de uma
perspectiva de que a formação do leitor, diferentemente da alfabetização, é uma
atividade que nunca acaba, perguntando-nos como é que um leitor pode ter prazer
naquilo que não consegue reconhecer. Desse modo, a experiência comunicativa
através da obra de arte torna-se real para o leitor que, diante de expectativas não
atendidas, passa a compreender que uma nova situação está colocada.
A estratégia adotada de apresentar para os alunos o vídeo da peça como apoio à
formação de repertório repercutiu num altíssimo grau de participação, seja através
da discussão do tema, seja pela elaboração de redações, que trouxeram
pensamentos bem condizentes com a filosofia existencialista de Sartre, e porque
não dizer com o próprio exercício do magistério: "Às vezes achamos que somos
livres, mas como não sabemos realmente o que é ser livre, acabamos nos
contentando com a situação sem tentar modificá-la".
4. Bibliografia
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Paulo: Editora 34, 2002.
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EAGLETON, Terry. Teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
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FOGEL, Gilvan. Conhecer é criar: Um ensaio a partir de F. Nietzsche. São Paulo:
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DPA, 2004.
INGARDEN, Roman. A obra de arte literária. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1973.
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____ O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo, Ed. 34, 1996.
____O ato da leitura: uma teoria do efeito estético - vol.2. São Paulo: Ed. 34,
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NIETZSCHE, Friedrich. Coleção "Os Pensadores". São Paulo: Editora Nova Cultural,
1999.
ZANOTTI, Luiz. Espantalhos. Disponível em
http://recantodasletras.uol.com.br/roteirosdeteatro/1661223 em 14 de julho de
2009.
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Nobre Luiz Zanotti.
ResponderExcluirSou administrador do Blog do Mendes e Mendes, e organizei várias fotos de estudiosos do cangaço. Necessitando colocar informações como; Cidade, Estado e profissão que exerce, nada mais do que isso, gostaria que por bondade o escritor envie-me este dados.
Muito obrigado pelo informação.
Link do meu blog:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br/
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